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Parede decorada com ídolos de Bollywood: rodar filmes indianos no Brasil pode aumentar o contato cultural entre os dois povos e fomentar o comércio e a cooperação tecnológica, diz economista.
Parede decorada com ídolos de Bollywood: rodar filmes indianos no Brasil pode aumentar o contato cultural entre os dois povos e fomentar o comércio e a cooperação tecnológica, diz economista.| Foto: Fred Miller/CreativeCommons

Que tal um filme de Bollywood rodado na floresta amazônica, nas fazendas do Mato Grosso, nas praias do Rio de Janeiro ou nos pampas gaúchos?

A gigante indústria cinematográfica indiana produziu em 2023 mais de 1,5 mil filmes e faturou o equivalente a R$ 6,7 bilhões em bilheteria. A ideia de trazer Bollywood ao Brasil como forma de aumentar o contato cultural entre os dois povos, fomentar o comércio e a cooperação tecnológica é do economista indiano G. Chandrashekhar, de Mumbai.

“Eu sugeriria que o Ministério do Turismo brasileiro se aproximasse de Bollywood. Para começar, dois ou três filmes rodados em paisagens brasileiras. É o que a Suíça está fazendo, é o que a Austrália, Singapura e Malásia fazem. Isso poderia criar um efeito positivo enorme na Índia. É preciso haver esse tipo de engajamento para dar mais visibilidade ao Brasil”, sublinha Chandrashekhar, especializado em comércio agrícola e que atua com frequência em comitês setoriais do governo indiano.

A sugestão tem o endosso do presidente da Câmara do Comércio Índia Brasil (CCIB), Leonardo Ananda. “Culturalmente, a Índia sempre fez parte do movimento dos não alinhados, enquanto nós crescemos muito alinhados à cultura norte-americana. O adolescente, o jovem indiano cresce tendo como ídolo Shah Rukh Khan (ator de Bollywood) e não o Brad Pitt. Uma aproximação cultural maior facilita o diálogo, facilita as negociações”, concorda.

PIB da Índia tem crescido 7% ao ano

Além do enriquecimento cultural, pensar em maneiras de aproximar brasileiros e indianos pode trazer dividendos econômicos para os dois lados, num momento em que a Índia cresce a taxas seguidas de 6% a 7% ao ano, mais do que o dobro da média mundial.

A previsão da agência S&P Global Ratings é de que até 2027 a Índia deverá superar Japão e Alemanha no ranking econômico global, ficando atrás apenas de China e Estados Unidos.

Crescimento econômico acelerado traz expansão do poder aquisitivo e mais demanda por alimentos. Para assegurar comida ao país mais populoso do planeta, com 1,4 bilhão de habitantes, o governo indiano precisa administrar um delicado balanço entre proteção e estímulo à sua própria agricultura – pulverizada em milhões de micro e pequenas propriedades de baixa produtividade – e uma abertura controlada ao alimento importado.

Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que qualquer abertura comercial do país asiático, ainda que tímida, deve gerar amplas oportunidades para o Brasil, com poucos concorrentes à altura.

Índia precisa importar cada vez mais alimentos

“A demanda por alimentos na Índia está ultrapassando a capacidade de produção muito rapidamente. Nossos estoques estão diminuindo e os volumes importados têm crescido. Nos próximos cinco a dez anos o gargalo na oferta interna das principais commodities só deve aumentar. O Brasil pode se beneficiar dessa demanda, mas não pode achar que isso está garantido. Os empreendedores indianos e brasileiros ainda não se deram conta da magnitude das oportunidades”, avalia o economista G. Chandrashekhar, em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo.

Desde 2009, o Mercosul tem um acordo comercial com a Índia, mas reduzido a apenas 450 dentre mais de 10 mil itens possíveis. Do que o Brasil mandou para lá em 2023, três produtos – açúcar (26%), óleos vegetais (27%) e petróleo bruto (13%) – dominam a pauta, enquanto a Índia envia para cá principalmente componentes para medicamentos (18%), remédios (7,7%) e pesticidas (8,3%).

Diversificar a pauta é visto como essencial para impulsionar o comércio bilateral, que dobrou nos últimos dois anos, chegando a US$ 15 bilhões. Apesar do valor recorde, a Índia é destino de apenas 2% das exportações brasileiras e 3,3% de nossas importações.

Economista indiano G. Chandrashekhar durante palestra no Brazilian Superfood Summit - Sementes de gergelim e feijões secos, realizado em abril de 2024, em Brasília
Economista indiano G. Chandrashekhar durante palestra no Brazilian Superfood Summit - Sementes de gergelim e feijões secos, realizado em abril de 2024, em Brasília| Reprodução / Ibrafe

Maçã brasileira é case de sucesso na Índia

Quando a janela certa se abre, observa Ananda, da Câmara de Comércio, o impacto pode mexer com toda uma cadeia produtiva. Um exemplo é a maçã brasileira, que até 2016 não tinha autorização para entrar na Índia. O mercado se abriu em 2017 e um ano depois os indianos já eram nossos maiores clientes. Algo semelhante aconteceu com o gergelim, cujo mercado indiano se abriu em 2020 e hoje tem no Brasil seu segundo maior fornecedor.

“Há menos de dois meses abrimos o mercado do abacate para a Índia. E estamos trabalhando com a laranja. A gente acredita muito que vai acontecer o que já aconteceu com a maçã e o gergelim. O problema é o brasileiro não conhecer a Índia e a Índia não conhecer o Brasil. A partir do momento que o Brasil começa a entender o potencial do mercado consumidor indiano, as coisas vão começar a acontecer”, prevê Ananda.

Dadas suas dimensões continentais e por deter a maior população do planeta, qualquer fresta aberta no mercado indiano pode criar oportunidades significativas. Chandrashekhar aconselha os brasileiros a agir rápido. “Outros países, como Austrália, Estados Unidos e Canadá estão prontos para entrar no mercado indiano. O Brasil tem que se mexer agora, para ter também a vantagem de chegar primeiro”, sublinha.

Indianos vão precisar do milho brasileiro

Palestrante frequente de fóruns setoriais e conselheiro de políticas públicas do governo indiano, Chandrashekhar aponta o milho brasileiro como forte candidato a se destacar nas exportações à Índia, em curto prazo.

“A demanda está se expandindo de forma robusta, a produção doméstica deve aumentar, mas as importações serão inevitáveis nos próximos dois a três anos. O governo indiano será forçado a permitir as importações com taxas reduzidas ou até zeradas para garantir ração da criação de frangos e para a produção de etanol”, aponta.

O uso do etanol como combustível na Índia, copiando o modelo brasileiro, está em franca expansão. A mistura obrigatória à gasolina subiu de 1,5% em 2014 para 12% atualmente, com meta de chegar a 20% em 2025. Esse impulso na demanda, aliado a quebras de safra, tornou praticamente inviável a exportação de açúcar e milho pelos indianos, favorecendo os produtores brasileiros.

“Costumávamos exportar de 5 a 6 milhões de toneladas de açúcar, mas tudo agora está suspenso. Os produtores de etanol não podem contar com muito mais cana produzida na Índia, já que vamos ter colheitas apertadas por causa do El Niño. Portanto, vamos depender do milho para fazer etanol. Mas há uma insuficiência de milho. Ou seja, é possível que tenhamos que importar etanol do Brasil, que é o único país de quem podemos importar confortavelmente para fazer mistura à gasolina”, relata Chandrashekhar.

Índia tem histórico de protecionismo na área agrícola

O cenário de maior apetite da Índia por produtos que o Brasil pode oferecer já é uma realidade, mas isso não quer dizer que os indianos vão aderir a uma ampla abertura comercial nem ao zeramento de tarifas.

“A Índia tem um nível de proteção muito elevado em relação à agricultura, uma população rural muito grande e pobre, e não está disposta a fazer essa abertura. Quando tem negociações na OMC, eles bloqueiam tudo nessa área agrícola”, observa Lia Valls Pereira, economista responsável pelo índice mensal de comércio exterior Icomex do Instituto Brasileiro de Economia (FGV-Ibre).

Os setores de serviços e de tecnologia puxam a expansão do PIB indiano, enquanto o aumento da produção de alimentos patina por falta de terras agricultáveis e baixas produtividades. Apesar disso, Valls não vê muita chance de reduções tarifárias expressivas.

“Sempre houve uma maior dificuldade para o Brasil quando a negociação é com países em desenvolvimento, que têm estruturas relativamente similares. Porque todos querem desenvolver mais suas indústrias. Na agricultura, a gente quer mais abertura, eles querem mais proteção. Já na indústria, tanto os indianos como os brasileiros são um pouco mais protecionistas”, pondera.

O próprio Chandrashekhar, entusiasta da parceria entre os dois países, destaca que só é possível avançar se houver “forte vontade política e compromisso de ambos os governos”. Um primeiro passo, propõe, seria um memorando de entendimentos entre os países estabelecendo objetivos e áreas de cooperação. Em seguida, viria uma intensificação das conferências, exposições e reuniões entre empresários, assegurando, também, maior facilidade para viagens e vistos.

Brasil já exporta dez tipos de feijão à Índia
Brasil já exporta dez tipos de feijão à Índia| Divulgação / Ibrafe

Reduções tarifárias dependem de análise de sensibilidade

“Não é como uma máquina de café, que você põe uma moeda, aperta o botão e pega a bebida. Parcerias não funcionam assim, é preciso ter comprometimento e paciência para obter os resultados”, argumenta.

“Certamente o governo indiano consideraria a redução tarifária para os produtos brasileiros, fazendo uma análise de sensibilidade para determinar o impacto sobre os produtores nacionais. Portanto, é necessário diálogo e interação contínuos. Por outro lado, o que o Brasil pode comprar da Índia (não necessariamente apenas commodities agrícolas) também deve ser considerado para que não haja grande desequilíbrio comercial”, acrescenta o economista.

Chandrashekhar defende também a criação de uma marca dos produtos brasileiros. “Os alimentos embalados e de marca no varejo da Índia estão se expandindo rapidamente. Os exportadores brasileiros deveriam negociar com os importadores e supermercados indianos uma marca para os feijões e leguminosas. O que é visto e é de boa qualidade acaba vendendo”, argumenta.

Predominantemente vegetarianos, os indianos consomem 30 milhões de toneladas por ano de pulses – como são chamadas as leguminosas secas como feijão, lentilha e grão de bico. O país não é autossuficiente, e precisa importar entre 3 e 4 milhões de toneladas. Os agricultores brasileiros começaram a participar timidamente desse mercado há quinze anos, e hoje cultivam mais de dez tipos de feijões “customizados” para os clientes indianos.

Cooperativa exporta feijões para a Índia sob encomenda

O maior exportador de pulses para a Índia é a cooperativa Cooperaguas, de Santa Catarina, com 600 agricultores espalhados pelo país. No ano passado, embarcou 40 mil toneladas de feijões para a Índia.

A cada ano, a cooperativa define com os indianos que tipo de leguminosa será plantada, fecha os contratos e assume os riscos. O gerente de exportação Júlio Cabral Mariucci concorda que há potencial para multiplicar a parceria, mas ressalva que é preciso fechar contratos antecipados – já que os tipos de feijões não têm mercado no Brasil – e alerta quanto aos gargalos na infraestrutura e nos processos de exportação brasileira.

Não é incomum, diz Mariucci, que um contêiner fique uma semana à espera do visto de um fiscal agropecuário antes de ser embarcado. Desde o início do ano o quadro se agravou, após os fiscais agropecuários iniciarem uma espécie de operação tartaruga, em protesto por reajuste salarial.

“A liberação de um contêiner poderia se resolver em questão de horas se os processos fossem digitalizados, e não por conferência manual. Daí somos nós que temos que pagar a armazenagem no contêiner, a diária do navio, a multa por perder o prazo de entrega. Tudo isso vai comendo boa parte da receita”, queixa-se Mariucci.

Oportunidades incluem soja, algodão e petróleo

Gargalos logísticos e "custo Brasil" à parte, G. Chandrashekhar defende memorandos de entendimento entre os dois países que contemplem várias cadeias do agronegócio, a exemplo do que está mais adiantado nos grãos secos, por meio da atuação do Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe). Veja a lista de oportunidades apontadas pelo economista:

  • Soja: Com o aumento do uso de milho para etanol, a Índia vai precisar de mais soja para esmagamento pelas indústrias locais para atender à demanda por farelo para ração animal e óleo comestível;
  • Milho: A Índia enfrenta uma crescente demanda por milho, tanto para ração na indústria avícola, como para matéria-prima na produção de etanol.
  • Algodão: A Índia é o segundo maior produtor e consumidor de algodão, mas sua produção está estagnada, criando oportunidades de importação. O Brasil é o segundo maior exportador mundial da pluma.
  • Açúcar e etanol: Com a produção de cana-de-açúcar limitada por problemas climáticos na Índia, há uma necessidade crescente de importação de açúcar e etanol, que o Brasil pode suprir.
  • Pulses (Leguminosas): A Índia precisa importar 4 milhões de toneladas de pulses e há potencial para aumentar as exportações do Brasil, especialmente de variedades como feijão preto, carioca e caupi.
  • Petróleo. A Índia importa 82% de suas necessidades, e já tem um fluxo comercial com o Brasil que pode ser incrementado. Os indianos importam óleo bruto e "devolvem" na forma de diesel.
  • Agroindústria. O investimento estrangeiro é livre de taxação na indústria alimentícia indiana, que está em rápida expansão.
  • Pesquisa e tecnologia. Há espaço para cooperação entre os dois países, especialmente em culturas de leguminosas, estratégias de aumento de produtividade e eficiência no uso da água. O Brasil pode se beneficiar do forte ecossistema de startups indiano em áreas como agricultura de precisão, automação e nanotecnologia.
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