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Candidato à Presidência da França François Hollande: vagamente contra austeridade fiscal | Fred Dufour/AFP
Candidato à Presidência da França François Hollande: vagamente contra austeridade fiscal| Foto: Fred Dufour/AFP

Neste mês morreu a fada da confiança.

Durante os últimos dois anos, a maioria dos criadores de políticas da Europa e muitos políticos e comentadores na América têm servido a uma doutrina econômica destrutiva. De acordo com esta doutrina, os governos deveriam responder a uma economia em severa depressão, não do modo como os manuais dizem que deveriam – gastando mais para contrabalancear a queda da demanda privada –, mas com austeridade fiscal, cortando as despesas como parte dos esforços para equilibrar o orçamento.

Os críticos avisaram desde o começo que a austeridade diante da depressão só faria com que a depressão piorasse. Mas os "austeros" insistiram que o reverso aconteceria. Por quê? Pura confiança! "Políticas que inspirem confiança irão ajudar e não prejudicar a recuperação econômica", declarou Jean-Claude Trichet, o ex-presidente do Banco Central Europeu – uma afirmação que encontrou eco nos republicanos do Congresso daqui. Ou, como eu disse na época, a ideia era que a fada da confiança iria chegar e recompensar os criadores de políticas por sua virtude fiscal.

A boa notícia é que muitas pessoas influentes estão finalmente admitindo que a fada da confiança era um mito. A má notícia é que, apesar dessa confissão, parece haver pouca perspectiva de uma mudança de rumos a curto prazo, seja na Europa ou aqui na América, onde nós nunca abraçamos plenamente a doutrina, mas, de qualquer modo, temos uma austeridade vigente de fato, na forma de enormes cortes de despesas e empregos a nível local e estadual.

Agora, sobre a doutrina: os apelos às maravilhas da confiança são algo que Herbert Hoover teria achado completamente familiar – e fé na fada da confiança funcionou tão bem na Europa moderna quanto na América da época Hoover. Em toda a periferia europeia, da Espanha à Letônia, as políticas de austeridade produziram crises como as da Depressão e um grau de desemprego como o da Depressão; a fada da confiança não está em lugar nenhum, nem mesmo na Inglaterra, cuja adoção da austeridade há dois anos foi recebida com altas hosanas pelas elites políticas de ambos os lados do Atlântico.

Nada disso deveria ser notícia, já que o fracasso de políticas de austeridade para cumprir suas promessas tem há muito sido óbvio. Os líderes europeus, porém, passaram anos em negação, insistindo que suas políticas começariam a funcionar a qualquer momento e celebrando supostos triunfos com a mais ínfima evidência desse funcionamento. Notavelmente, o longo sofrimento dos irlandeses (literalmente) foi recebido como uma história de sucesso, não uma, mas duas vezes, no começo de 2010 e outra vez no outono de 2011. Ambas as vezes descobriu-se que a suposta história de sucesso era uma miragem; três anos após adotar o programa de austeridade, a Irlanda ainda sequer demonstrou qualquer sinal real de recuperação de uma crise que aumentou a taxa de desemprego para quase 15%.

Economia deprimida

No entanto, algo mudou nas últimas semanas. Vários eventos – o colapso do governo holandês por conta de medidas de austeridade propostas, a forte demonstração de uma vaga postura anti-austeridade por parte de François Hollande no primeiro turno das eleições presidenciais da França e um relato econômico demonstrando que a Inglaterra está com uma crise pior agora do que nos anos 1930 – parecem ter finalmente trespassado a muralha da negação. De repente, todo mundo está admitindo que a austeridade não está funcionando.

A questão agora é o que eles vão fazer a respeito. E a resposta eu temo que seja: não muita coisa.

Pois, embora os austeros tenham desistido da esperança, eles ainda não desistiram do medo – isto é, da alegação de que, se não cortarmos os gastos, mesmo numa economia em depressão, vamos ficar iguais à Grécia, com custos de empréstimo estratosféricos.

Agora, alegações de que apenas a austeridade pode pacificar os mercados de obrigações têm se provado tão equivocadas quanto as alegações de que a fada da confiança traria prosperidade. Quase três anos se passaram desde que o Wall Street Journal cansou de dar avisos de que o ataque dos "vigilantes das obrigações" sobre o déficit dos EUA havia começado; não apenas os custos de empréstimo permaneceram baixos, como eles, na verdade, ainda caíram pela metade. O Japão recebeu avisos terríveis sobre seu déficit durante mais de uma década; e, se eles fizerem um empréstimo a longo prazo esta semana, terão uma taxa de juros de menos de 1%.

E analistas sérios agora defendem que a austeridade fiscal numa economia deprimida é algo provavelmente fadado à derrota: ao encolher a economia e prejudicar a renda a longo prazo, a austeridade provavelmente fará a perspectiva da dívida piorar em vez de melhorar.

Mas, embora a fada da confiança pareça estar completa e verdadeiramente enterrada, as histórias assustadoras sobre o déficit conti­nuam populares. De fato, defensores das políticas britânicas descartam qualquer possibilidade de se repensar essas políticas, apesar de seu evidente fracasso, alegando que qualquer relaxamento da austeridade faria com que o custo dos empréstimos subisse.

Vivemos agora, então, num mundo de políticas econômicas zumbi – políticas que deveriam ter sido mortas pelas provas de que todas as suas premissas estão equivocadas, mas que continuam se arrastando ainda assim. E ninguém tem ideia de quando esse reino de terror terminará.

Tradução: Adriano Scandolara.

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