A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), conhecida como o “clube dos países ricos”, recomendou que o governo reduza as deduções relacionadas a saúde e educação no Imposto de Renda. O objetivo é reduzir brechas fiscais e ampliar a progressividade na tributação sobre a renda. A sugestão foi explicitada nesta quinta-feira (2), na divulgação de novas previsões para a economia mundial.
Hoje o contribuinte tem direito a abater, da base de cálculo do IR, todas as despesas dele e dos dependentes com saúde. Gastos com educação também podem ser deduzidos, mas nesse caso há um teto de R$ 3.561,50 por pessoa. São essas deduções que a OCDE recomenda limitar.
A recomendação da OCDE surge em meio ao início de novas discussões sobre a reforma tributária no Congresso. As propostas sobre a tributação da renda fazem parte da próxima etapa. Até agora, apenas o projeto de lei complementar (PLC) que regula os futuros Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto Seletivo foi encaminhado ao Congresso.
O Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tinha até 20 de março para encaminhar ao Congresso Nacional o projeto de lei propondo a reforma da tributação da renda e da folha de pagamento de salários. No entanto, o prazo não foi cumprido. Uma das justificativas apresentadas por ele foi a não sobreposição de matérias do Congresso, com o objetivo de facilitar a tramitação do PLC que regulamenta a tributação sobre o consumo.
Outro motivo apontado pelo ministro para o descumprimento do prazo foi a complexidade da tributação sobre a renda, que segundo ele será tratada em partes. “Não há problema em não enviar uma parte da reforma do Imposto de Renda dentro dos 90 dias. Entendemos que podemos enviar à medida que os textos são formatados e dialogados com a sociedade. Não adianta enviar algo que não foi discutido antes. Chega mal no Congresso”, disse ele, em março.
O ministro afirmou ter certeza de que o Congresso prefere receber um projeto melhor semanas mais tarde do que receber algo a ser aparado. “Em vez de ajudar o país a encontrar um caminho, isso atrapalha. No passado recente, vários projetos sobre isso foram encaminhados de uma casa para outra.”
Para entidade, Brasil precisa restaurar a confiança nas contas públicas
As recomendações da OCDE em relação à política fiscal não se limitam à redução nas deduções sobre saúde e educação, que atingiriam principalmente a classe média. A entidade faz outras sugestões para restaurar a confiança das contas públicas brasileiras.
Uma delas é atingir a meta de resultado primário (diferença entre o que o governo arrecada e o que gasta, excluídas as despesas com juros) e implementar o novo arcabouço fiscal. Para este ano e para o próximo, a meta é de resultado zero. Antes o governo esperava superávit de 0,5% do PIB em 2025, mas acabou rebaixando o objetivo.
O mercado não está confiante no cumprimento dessas metas. O ponto médio das projeções do resultado primário no boletim Focus, publicado semanalmente pelo Banco Central, projeta um déficit de 0,7% do PIB neste ano e de 0,68% em 2025.
A avaliação da OCDE é que o novo sistema unificado de impostos sobre o valor agregado, apresentado em dezembro e cuja primeira parte da regulamentação foi encaminhada ao Congresso no fim de abril, reduzirá os custos relacionados à questão tributária para as empresas. “Contribuirá para uma maior confiança”, diz a organização.
Outro impacto da reforma na tributação sobre o consumo, segundo a entidade, é a redução do custo da cesta de consumo da população de baixa renda. A definição dos itens que terão alíquota zero e reduzida em 60% será feita pelo Congresso Nacional, a partir de proposta feita pelo Ministério da Fazenda.
A organização também sugere uma reforma mais ampla nas contas públicas, que ajudaria a criar mais espaço fiscal e melhorar a sustentabilidade da dívida pública, que nos 12 meses encerrados em fevereiro correspondia a 75,5% do PIB, de acordo com o Banco Central (BC). Um ano antes, o endividamento público estava em 73% do PIB.
OCDE também faz recomendações sociais e ambientais
As sugestões da OCDE abrangem também outros assuntos. Um deles é a expansão do acesso à educação infantil, especialmente para famílias de baixa renda e mães solteiras. “Isso pode promover oportunidades iguais e facilitar uma maior participação feminina na força de trabalho”, destaca.
A entidade também propõe a realocação de gastos relacionados ao mercado de trabalho. Os subsídios concedidos poderiam ser destinados a uma política de treinamento de alta qualidade alinhado com as novas tendências do mercado de trabalho. "Isso aprimoraria o encontro entre oferta e demanda de trabalho", diz o texto.
Também é defendida uma maior abertura da economia brasileira ao exterior. A organização aponta que o acesso a mercados estrangeiros e uma integração mais profunda às cadeias globais poderiam ser facilitados pela redução de barreiras comerciais. Segundo a OCDE, tarifas de importação e barreiras não tarifárias, incluindo requisitos generalizados de conteúdo local, podem ser reduzidos ainda mais.
Abordar lacunas de infraestrutura em transporte, água e saneamento poderia ajudar a melhorar a competitividade das empresas brasileiras e o acesso de serviços básicos para uma maior parcela da população.
“A aplicação mais rigorosa das leis de proteção ambiental, incluindo o Código Florestal, será crucial para combater o desmatamento. Vincular o crédito agrícola subsidiado ao uso de práticas de baixo carbono poderia ajudar a combater o desmatamento e reduzir as emissões”, indica a OCDE.
OCDE eleva projeção do PIB, mas vê riscos maiores para a economia
A entidade também revisou para cima a projeção de crescimento da economia brasileira em 2024. Ela passou de 1,8%, em novembro, para 1,9%. Para o próximo ano, a expectativa é de que o PIB aumente 2,1%. A demanda doméstica será o principal impulsionador, segundo o relatório.
Para a OCDE, o consumo das famílias deve permanecer robusto, apoiado por aumentos de salário e uma criação mais forte de empregos. Outra expectativa é de que o investimento melhore à medida que as condições financeiras se tornem mais favoráveis e a confiança empresarial se fortaleça.
A avaliação é que a inflação deverá cair dos 4,6% registrados em 2023 para 4% em 2024 e 3,3% em 2025. A expectativa é de que o ritmo de desinflação desacelere, com possíveis aumentos temporários, especialmente entre alimentos e bebidas, que são mais suscetíveis ao clima.
A OCDE também observa um aumento nos riscos para a economia brasileira. Tensões geopolíticas e um crescimento mais lento da China, importante parceiro comercial, podem afetar as exportações. Uma piora nos resultados das contas públicas poderia aumentar a pressão sobre a inflação, atrasando ainda mais as reduções nas taxas de juro, o que afetaria o investimento e o consumo.
As expectativas positivas com uma implementação bem-sucedida da reforma tributária poderiam aumentar a confiança e estimular a atividade econômica, acredita a organização.
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