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| Foto: Josué Teixeira/Gazeta do Povo/Arquivo

Após décadas nas mãos da Petrobras, o setor de gás natural vai passar por uma grande reestruturação. A redução do papel da estatal no segmento, com a venda de ativos na área de transporte e distribuição de gás, abre o mercado para novos investidores e traz uma série de oportunidades, mas também a necessidade de se aperfeiçoar o modelo regulatório.

A saída da Petrobras abre caminho para que haja mais concorrência em um setor que ficou extremamente centralizado nos últimos anos – além de responder por 95% da produção nacional, a estatal negocia com outros produtores, importa, processa e vende o combustível às distribuidoras. Ao dar o pontapé inicial no fornecimento de gás, a empresa liderou a estruturação desse mercado no país, mas acabou se tornando uma barreira à competição.

Veja infográfico com os dados da produção nacional de gás

R$ 15,1 bilhões...

... é a soma de ativos da Petrobras que devem ser vendidos no biênio 2015-2016 de acordo com o “plano de desinvestimentos” da companhia. Deste total somente 30% foi repassado ao setor privado até agora. A lista de ativos colocados à venda na área de gás natural inclui a rede de gasoduto da Nova Transportadora do Sudeste (NTS), que está em negociação com a canadense Brookfield por R$ 5,2 bilhões. Finalizada no final de 2015, a venda da Gaspetro – subsidiária da Petrobras que reúne as participações da estatal em 19 empresas estaduais de distribuição de gás natural canalizado – para a japonesa Mitsui está suspensa pela Justiça.

Como consequência desse monopólio, o mercado não se desenvolveu como poderia. Apesar de a produção ter praticamente dobrado entre 2005 e 2015, há uma escassez de oferta doméstica de gás natural.

Hoje o país importa 50% do gás consumido e há uma demanda reprimida que tende a aumentar no médio e longo prazos com a maior necessidade do combustível para a indústria e para a geração de eletricidade. A decisão do atual governo de repensar o projeto da usina hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, no Pará, que teria uma potência de 8 mil megawatts, sinaliza que a era dos grandes projetos do gênero pode ter chegado ao fim. Para especialistas, isso pode fazer do gás natural o novo protagonista da matriz energética.

“O momento atual para o setor de gás natural é tão importante quanto foi a quebra do monopólio de exploração e produção de petróleo [no fim da década de 1990]”, afirma Ricardo Pinto, diretor-técnico da consultoria Gas Energy.

Novo mercado

Ao final desse processo de reestruturação da Petrobras, um novo mercado de gás natural deve nascer praticamente do zero, com uma nova dinâmica. Mas, diante de tamanha concentração de mercado, especialistas defendem que a transição precisará ser feita com atenção. “O órgão regulador precisa acompanhar de perto a venda dos ativos da Petrobras, tendo cuidado para que o mercado não passe de um monopólio para outro”, afirma David Zylbersztajn, sócio-diretor da DZ Negócios com Energia.

O primeiro passo para um mercado competitivo é resolver o vazio regulatório do setor. “Temos um arcabouço regulatório que é incompleto. Para viabilizar investimentos, as empresas precisam ter a segurança de que haverá mercado e, mais do que isso, de que vão conseguir acessá-los. Hoje não há esse entendimento”, avalia Pinto.

Para o governo, essa segurança deverá vir por meio de outra estatal. A Petrobras sai de cena, mas o governo entende que é necessária a criação de uma empresa para organizar e gerir o setor de gás natural no país, papel que, segundo especialistas, pode ser perfeitamente executado pelo órgão regulador, no caso, a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

“Tem que reforçar o papel da ANP, dando autonomia para o órgão operar como regulador a partir de regras claras para todos os agentes. Criar uma nova estatal vai na contramão das tendências. O governo deveria aproveitar essa oportunidade para estimular o mercado, tirando as amarras da Lei do Gás, que é muito concentradora”, avalia Zylbersztajn.

Dependência do gás boliviano traz risco para mercado brasileiro

A dependência da importação do gás da Bolívia acende uma luz amarela no mercado brasileiro. Além das implicações decorrentes do plano de desinvestimento da Petrobras na área de gás e energia, a grande questão é se a Bolívia terá condições de continuar entregando o volume demandado pelo Brasil a partir de 2019, quando vence o contrato de fornecimento com o Brasil.

Em 2015, a oferta de gás boliviano somou 60,7 milhões de metros cúbicos por dia (mm³/dia), sendo mais da metade (31,2 milhões) destinada ao mercado brasileiro. Do total restante, 15,7 milhões de metros cúbicos por dia foram exportados para a Argentina e 13,2 milhões absorvidos pelo mercado boliviano.

De acordo com o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE), a demanda de gás natural no Brasil chegará a 171 milhões de metros cúbicos por dia em 2024, puxada pela expansão do parque termelétrico a gás natural. A produção, por outro lado, deve atingir apenas 99 mm³/dia. Considerando esse descompasso, o Brasil precisaria importar mais do que o dobro do volume atual para suprir a necessidade.

Mas não há garantias de que a Bolívia terá gás suficiente para manter o suprimento ao Brasil nesse volume, sobretudo a partir de 2020, alerta um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Associação Brasileira de Grandes Consumidores de Energia e de Consumidores Livres (Abrace).

Junto com o gás natural liquefeito (GNL), o gás natural boliviano vindo de outros países, supre parte importante da demanda doméstica. Em 2015, dos 50,4 milhões de metros cúbicos de gás importados pelo Brasil, 32 mm³/dia vieram da Bolívia. Além dos três estados do Sul, o gás boliviano atende parte importante do mercado de São Paulo.

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