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Projetos de lei tentam barrar a imposição de limites à Internet fixa. | Martinelle/Pixabay
Projetos de lei tentam barrar a imposição de limites à Internet fixa.| Foto: Martinelle/Pixabay

A novela da aplicação de franquias nos planos de Internet fixa no Brasil está longe do fim. Na luta para evitá-la, os consumidores encontraram no legislativo uma boa chance de frear as investidas das operadoras.

Há pouco mais de um ano, uma alteração nos novos contratos de Internet fixa da Vivo trouxe à tona o intuito, por parte das operadoras, de impor limites no uso desse tipo de conexão. Na nova redação dos contratos, havia a previsão de franquias que, ultrapassadas, ensejaria o bloqueio ou a redução drástica da velocidade de conexão, com seu retorno à normalidade condicionado a pagamentos extras.

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A pressão popular levou a Vivo a voltar atrás e a Anatel a proibir a aplicação de limites do tipo “indefinidamente”, abrindo, em paralelo, uma consulta pública para ouvir a população acerca do tema – o prazo da consulta termina dia 30 de abril.

Entre protestos de clientes e órgãos de defesa do consumidor, justificativas das operadoras e algumas declarações atrapalhadas do governo, como a de Gilberto Kassab, ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, dada no início do ano, reduzem-se os caminhos possíveis para uma resolução. Um deles é o legislativa federal.

Projetos de lei contra o limite de franquia

Em março, o projeto de lei 174/16, de autoria do senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), propôs acrescentar ao Marco Civil da Internet, no artigo 7º, que lista os direitos ao usuário de Internet no Brasil, a proibição às operadoras de imporem limites de franquia aos planos de Internet fixa. A matéria foi aprovada no Senado, mas ainda precisa passar pela Câmara e ser sancionada pela Presidência para passar a valer.

Em paralelo, uma sugestão recebida pelo portal E-cidadania, que permite a qualquer cidadão submeter ideias ao voto popular e que, se bem votadas, podem ser convertidas em projetos de lei, aborda o mesmo assunto. Proposta por Alessandro de Almeida Cyrino da Silva, de Minas Gerais, a ideia, que proíbe as operadoras de estabelecerem limites à Internet fixa, alcançou 20 mil apoios em apenas uma semana e foi encaminhada formalmente à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa para ser apreciada. Quase um ano depois, com a relatoria do senador José Medeiros (PSD-MT), a ideia foi aprovada e a matéria passou a tramitar no Senado como proposição de autoria da Comissão.

Para Rafael Zanatta, pesquisador de telecomunicações do Instituto de Defesa do Consumidor Brasileiro (Idec), o projeto de lei originado no E-cidadania é especial porque “sinaliza um retorno à sociedade após inúmeras campanhas, ações civis públicas, pedidos de ‘impeachment da Anatel’, posicionamentos contrários às franquias com base no Código de Defesa do Consumidor, e protestos de usuários de redes sociais e plataformas de conteúdo e comunicação como YouTube e Netflix.”

A própria Comissão, reconhecendo a existência de outros projetos de lei de semelhante teor, considera este “um caso exemplar de resposta ‘de baixo para cima’, onde um cidadão comum foi capaz de propor uma solução regulatória, receber apoio de seus pares e ter o direito de ter sua proposta analisada pela Comissão de Direitos Humanos e Participação Legislativa do Senado Federal.”

Paradas ou em tramitação no Congresso, existem outras iniciativas no legislativo que visam regulamentar a matéria. Quase todas, a exemplo das duas citadas acima, tentam incluir um inciso no artigo 7º do Marco Civil da Internet, no capítulo que trata dos direitos e garantias dos usuários. A pedido da Gazeta do Povo, Zanatta localizou e comentou alguns desses projetos de lei.

Não são todos que pretendem proibir a imposição de franquias. Alguns como o PL 5123/16, de autoria do deputado Jhonatan de Jesus (PRB-PR), permitem franquias, embora ainda vedem a suspensão do serviço em caso de estouro do limite. É a mesma posição do PL 5472/16, do deputado Carlos Henrique Gaguim (PTN-TO).

Rômulo Gouveia (PSD-PB) tratou da matéria duas vezes em 2016. Na primeira vez, em maio, apresentou o PL 5341/16 com a intenção de proibir as franquias, mas o fez na parte do Marco Civil da Internet que trata da neutralidade da rede, misturando assuntos que, na redação atual, estão bem delimitados. Mais tarde, em outubro, outro projeto de Gouveia, o PL 6269/16, foi apresentado em sentido totalmente contrário, permitindo franquias e estabelecendo parâmetros às operadoras de como proceder caso o cliente ultrapasse os limites estabelecidos.

Entre todos os projetos, Zanatta aponta dois que proíbem a imposição de limites de franquia como tendo “técnica legislativa razoável”: o PL 6944/17 do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) e o já citado PL 7182/17 (174/16 no Senado), de autoria do senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES).

Necessidade técnica

Medeiros, relator do projeto de lei oriundo do E-cidadania, justifica a importância dele ao afirmar que “conforme alertado pelos órgãos de defesa do consumidor, as prestadoras não apresentam embasamento fático devidamente comprovado que justifique tal alteração ou que demonstre que ela estimularia alguma melhoria na qualidade do serviço prestado.”

A afirmação tem respaldo de Zanatta, que afirma que “no mês de março [de 2016], após pressão do Idec, o Ministério da Justiça notificou as três maiores empresas para que elas apresentarem documentos técnicos e relatórios que demonstrassem problemas de ‘congestionamento de redes’ e aumento dramático dos chamados ‘usuários pesados’ (que trafegam muitos dados), o que não ocorreu.”

O especialista em telecomunicações do Idec argumenta, ainda, que três pontos jurídicos seriam impeditivos à aplicação franquias na Internet fixa:

“1. A mudança dos contratos de conexão à Internet para inclusão de franquias de dados implicava em violação do Código de Defesa do Consumidor (art. 39, que trata de ‘práticas abusivas’), por elevar sem justa causa o preço de um serviço (art. 39, X) e exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva (art. 39, V). 2. A proposta de desconectar um consumidor que atingir a franquias de dados é manifestamente ilegal, por confronto direto com o art. 7º da Lei 12.965/14 (Marco Civil da Internet), que afirma que o ‘acesso à Internet é essencial à cidadania’ e que a desconexão só pode ocorrer em caso de ‘indébito’. 3. A tentativa de impor as franquias de dados a milhões de consumidores brasileiros pelas três maiores empresas do setor configuraria em crime contra ordem econômica, por possibilidade de aumento arbitrário de lucro, nos termos da Lei 12.529/11, art. 36.”

As operadoras rebatem. Procurada pela Gazeta do Povo, a Sinditelebrasil, associação que representa as operadoras de telefonia e Internet no Brasil, alega que “uma eventual proibição da oferta de planos com franquia para o acesso à Internet em banda larga fixa trará significativos prejuízos à maioria da população brasileira.”

O comunicado segue, referindo-se ao projeto de lei aprovado no Senado: “Da forma proposto, o PLS 174/16 aprovado no Senado elimina a possibilidade de adoção de diversas soluções tecnológicas adequadas a áreas remotas, inviabilizando a oferta de banda larga nestas regiões carentes de infraestrutura. A proposta prejudica o programa de massificação da Internet, vai trazer impacto nos preços do acesso e nas velocidades ofertadas e faz com que a maioria absoluta da atual base de usuários de Internet subsidie uma pequena minoria de internautas.”

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