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Sala de Cunha Pereira na sede da Gazeta do Povo, de frente para a Praça Carlos Gomes, no Centro de Curitiba. Local foi mantido intato nos três anos em que o diretor-presidente se afastou para cuidar da saúde | Antonio Costa/Gazeta do Povo
Sala de Cunha Pereira na sede da Gazeta do Povo, de frente para a Praça Carlos Gomes, no Centro de Curitiba. Local foi mantido intato nos três anos em que o diretor-presidente se afastou para cuidar da saúde| Foto: Antonio Costa/Gazeta do Povo
  • O acadêmico Cunha Pereira cumprimentado por ocasião de sua posse pelo reitor da PUCPR, Clemente Juliatto

É com muita emoção, fascínio mesmo, que ingresso nesta gloriosa academia, cujo convite foi feito já há alguns anos, acentuando que a decisão fora unânime.

Constitui-se para mim uma grata surpresa e grande honraria, que agradeço comovido a todos os nobres confrades.

Ao tomar posse nesta augusta Academia Paranaense de Letras e passando a ocupar a cadeira número 18, um forte sentimento de amor à Pátria, à nossa gente, inflama meu pensamento, principalmente, ao verificar a esplêndida e notável coincidência de que tanto o patrono Faria Sobrinho, como o fundador Hipólyto de Araújo e o primeiro ocupante da cadeira 18, Lacerda Pinto, nasceram naquele torrão generoso, conhecido no mundo inteiro e no país como a heróica e legendária cidade da Lapa.

Minha, infância e minha juventude foram sempre povoadas por imagens de heróis da terra brasileira que empolgaram e empolgam nossas gerações.

Além das batalhas cruentas na luta pela independência, pela liberdade, pela expansão de novas fronteiras e pela garantia de nosso território, desde Tiradentes e Pedro I, passando ainda por Osório, Caxias e tantos outros, tive a felicidade de sentir muito perto de mim a presença de um voluntário da pátria, um irmão de meu pai, portanto, meu tio, Lincoln da Cunha Pereira.

Muito jovem, com menos de 21 anos, o meu herói especial, tio Lincoln apresentou-se por forte impulso patriótico como voluntário às milícias que combatiam a Coluna Prestes e lutou desde as montanhas e os campos de Minas Gerais até o longínquo Mato Grosso, onde morreu combatendo heróica e gloriosamente, resistindo ao movimento (...). matando entre muitos outros jovens aquele voluntário mineiro que, com 21 anos incompletos, derramou seu sangue generoso e deu sua vida por um ideal, hoje raro, na defesa da ordem e integridade da Pátria.

Este fato heróico teve, sem dúvida, forte influência na formação de minha personalidade e criou em mim a preocupação de sempre procurar uma trincheira sólida para um bom combate.

Minhas experiências literárias começaram com as tertúlias do Grupo Escolar Barão do Rio Branco, depois com os movimentos literários da Academia de Letras do Colégio Santa Maria, quando participei de interessantes estudos e debates sobre autores brasileiros como Machado de Assis e José de Alencar, despertando-me o gosto pelas letras e pela retórica ou eloquência oratória, tomando contato mais intenso ali com Rui Barbosa, Tolstói, Dostoievski, Marcel Proust, Thomas Mann, Voltaire, Eça de Queirós, Montesquieu, Padre Vieira, Sebastião Paraná, com os grandes poetas Castro Alves e Gonçalves Dias, e quase todos os outros poetas e escritores brasileiros e estrangeiros que líamos e discutíamos acirradamente com a maior seriedade e profundamente até. Época em que cometi meus primeiros contos, versos e sonetos parnasianos e que a minha severa antocensura decretou: impublicáveis.

Mais tarde, foram os movimentos universitários, destacando-se a luta pelo restabelecimento e reconhecimento da Universidade do Paraná, que fora dividida e separada. Castigada assim por seu pioneirismo e pela falta de um paradigma legal. (...)

Pouco depois, me envolvi também na renhida luta pela participação dos alunos nas decisões do órgão máximo, que é o Conselho Universitário, conseguindo vencer a eleição para a presidência do Diretório Central dos Estudantes, que tive a honra de fundar e organizar, tendo sido o primeiro representante do corpo discente naquele Conselho máximo da notável Universidade Federal, então já unida e federalizada, e passando a participar com palavra e voto nas grandes decisões daquele Conselho Superior.

Foram sem dúvida pequenas batalhas, mas inspiradas quase sempre no herói voluntário de Minas Gerais, morto pela Coluna Prestes, e inspirado ainda por outro grande herói que empolgou minha vida, o médico e sábio professor, capitão do Cerco da Lapa, meu avô materno, João Cândido Ferreira.

Médico, muito jovem, também resistiu com bravura e heroísmo ao terrível Cerco de mais de dois mil homens, que, muito bem armados, haviam partido do Rio Grande do Sul, avançando com violência sobre Santa Catarina, depois Curitiba, vencendo todas as resistências, e que pretendiam tomar São Paulo e depois o Rio de Janeiro, onde planejavam derrubar o Presidente Floriano e a República, no ano de 1894. (...)

João Cândido era jovem e já médico conceituado, com a família constituída de esposa e dois filhos, prefeito de sua cidade, quando começou o cerco das tropas revolucionárias que acreditavam passar pela Lapa sem a menor resistência.

A têmpera de quase 500 lapianos, que permaneceram resistindo na cidade foi exemplo maior de heroísmo e patriotismo, teve o expressivo reconhecimento nacional há poucos anos, quando o Ministério da Guerra, em homenagem àquela gloriosa epopéia resolveu denominar Heróis do Cerco da Lapa a nossa importante e poderosa Quinta Região Militar. (...)

O convívio com este grande herói do Cerco, e depois como médico competente e ilustre membro da Academia Nacional de Medicina, primeiro professor de clínica médica da nossa Universidade, membro fundador da Cadeira 25 desta Academia e mais tarde presidente do estado, o convívio, repito, com este herói do terrível episódio, influenciou sem dúvida a minha formação, e a Lapa passou a ter uma significação especial na minha vida e na vida da nossa família, pois meu pai, comprando parte dos demais herdeiros, ficou com a Fazenda São João, e lá passávamos as férias, ouvindo as histórias do herói de Minas Gerais e dos heróis da Lapa. Tornou-se meu pai, desembargador Cunha Pereira, quase um cônsul na região. (...)

O grande jornalista de São Paulo, Cláudio Abramo, afirmou que, jornalismo é o "exercício diário e permanente da inteligência e do caráter", Levi Carneiro acentuou, em brilhante palestra na Academia Brasileira de Letras, citando fontes clássicas que "advogado tem de ser o homem de bem com o dom da palavra."

Lembrei no começo deste modesto discurso de posse que procurei várias trincheiras para o bom combate e me recordo com saudades da cátedra em diversos níveis até os universitários, depois da tribuna do júri que me empolgou e me fez amadurecer, mais tarde das tribunas dos juízes togados e dos tribunais superiores, para chegar, finalmente à difícil e surpreendente trincheira da imprensa na Gazeta do Povo, onde pude comprovar que o jornal, além da notícia, é o formador da opinião, é o arauto das ciências, das artes e especialmente o grande cultor das letras.

Finalmente, no comando da televisão, cheguei à conclusão do eminente advogado e professor Fábio Konder Comparato. Parodiando-o, afirmo que "o jornalista é o advogado permanente do interesse das comunidades."

Desde que assumi o jornal, dei especial atenção à sua página literária, onde, há mais de 30 anos, tenho procurado incentivar a publicação de grandes escritores e poetas paranaenses. Lembro o esforço para trazer às páginas da Gazeta o acadêmico Alceu Chichorro e seu traço firme de Chico Fumaça. Totó e Marcolina, bem como a publicação diária de uma coluna na segunda página do saudoso, inspirado e original poeta Liberalino Esteves e suas Populiras.

A divulgação em primeira mão dos trabalhos magníficos de Poty Lazarotto foi outro esforço de sucesso como diretor da Gazeta. Encontrei também êxito quando iniciei a publicação de excelentes trabalhos do já notável Dalton Trevisan, com as ilustrações magnífica do incomparável Guido Viaro e que tiveram importante apreciação da crítica. (...)

Hoje, com enorme emoção, estou sendo convocado não para uma trincheira isolada, mas para uma reunião de alto-comando, para participar de um estado-maior das letras e das artes, cujas decisões são da maior importância para o desenvolvimento e a cultura de nosso povo. Aqui estou ao lado de ilustres generais uniformizados com as capas ou pelerines verdes do patriotismo e do saber e com os alarmares de ouro, que simbolizam a profunda cultura e a experiência daqueles que já provaram aos conterrâneos os resultados do estudo aprofundado e inspirado, não só das letras, como das ciências e das artes, e principalmente dos interesses maiores de nosso estado, nosso país, enfim de toda a comunidade brasileira. (...)

Muito obrigado.

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