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Bruno Santucci com a bandeira do Coritiba Crocodiles no Brasil Bowl, disputado no Couto Pereira | Henry Milléo/Gazeta do Povo
Bruno Santucci com a bandeira do Coritiba Crocodiles no Brasil Bowl, disputado no Couto Pereira| Foto: Henry Milléo/Gazeta do Povo
  • Adan Rodriguez durante treino do Crocodiles: sucesso no futebol americano no país mudou a rotina dos jogadores, que viram a brincadeira virar

Quem viu o Super Bowl, a finalíssima partida da temporada do futebol americano nos EUA, com seus comerciais milionários, show da Kate Perry, audiência na casa do bilhão de pessoas em todo o mundo, não faz ideia do roteiro mambembe ao qual a seleção brasileira foi submetida para se classificar de maneira inédita ao campeonato mundial da categoria.

Longe das cifras milionárias praticadas nos EUA, o futebol americano ainda engatinha no Brasil. No dia 31 de janeiro deste ano, porém, conseguiu o maior feito de sua breve história. No Panamá, contra os donos da casa, o Brasil venceu por 26 a 14, garantindo a vaga no Mundial, que será realizado em agosto, em Canton, no estado de Ohio, nos EUA.

Para chegar lá, foi preciso enfrentar uma trajetória atribulada. Apesar do transporte e hospedagem no Panamá estarem garantidos por serem atribuições do time anfitrião, as passagens eram responsabilidade dos brasileiros. Sem dinheiro de patrocínio ou qualquer outra fonte, o custo sobrou para os atletas, que, é bom lembrar, não são profissionais. Nenhum deles vive do esporte, todos têm um segundo emprego. Ou melhor, o segundo emprego é o futebol americano.

Com 45 jogadores no elenco, a um custo médio de R$ 2,5 mil por passagem de ida e volta, a conta passou fácil dos R$ 100 mil. Um financiamento via crowdfunding – uma espécie de vaquinha pela internet – foi criado para arrecadar o valor. Até a data da viagem, no entanto, menos de R$ 4 mil foram obtidos. "O jeito foi se endividar no cartão de crédito e tentar diminuir o prejuízo depois", conta Adan Rodriguez, wide receiver (o jogador que recebe os passes) da seleção e do Coritiba Crocodiles, campeão brasileiro. "Mas valeu a pena. Foi o jogo mais importante do futebol americano do Brasil."

Na seleção brasileira desde o primeiro jogo da equipe, contra o Chile, em 2012, Rodriguez pratica o esporte há nove anos, quando o Coritiba Crocodiles ainda era um time de amigos chamado Barigui Crocodiles. Hoje, aos 27 anos, encara o futebol americano com seriedade de profissional, embora o ambiente ainda seja eminentemente amador. "Não existe mais atleta de fim de semana. É preciso treinar todo dia, dormir cedo, cuidar do corpo, comer bem", afirma Rodriguez, que trabalha como personal trainer.

Um exemplo do bom nível dos atletas brasileiros é Bruno Santucci, de 25 anos, running back (o jogador que leva a bola até a end zone, que "marca o gol") da seleção e do Coritiba Crocodiles e amigo de infância de Adan Rodriguez. Chegou a ser indicado para treinar no Hamilton Tiger Cats, time profissional do Canadá, mas uma lesão grave no joelho adiou o sonho.

A indicação foi feita há um ano, pelo então treinador do Coritiba Crocodiles e atualmente no Maringá Pyros, o americano Johnnie Mitthell, ex-jogador do New York Jets, entre outros times. "Ele é o melhor corredor do Brasil", elogia Mitthell, que prevê o crescimento da exportação de atletas brasileiros nos próximos anos. "Eles aprendem rápido e se dedicam fisicamente. Em cinco, dez anos, estarão no nível dos jogadores americanos."

Os atletas esperam que o crescimento também aconteça fora de campo. A partida contra o Panamá foi transmitida pela ESPN, a mesma emissora de tevê que detém os direitos da NFL no Brasil. A repercussão foi enorme. "Recebemos mensagens de torcedores, jogadores de outros times, vídeos com palavras de apoio", diz Rodriguez.

Surfar na crescente paixão pela NFL no Brasil é tudo que os jogadores querem. Se eles ganharem um décimo da atenção dispensada aos colegas americanos, será um bom negócio. Uma pesquisa divulgada pelo jornal inglês The Independent colocou o Brasil como o terceiro país do mundo em número de fãs da NFL, atrás apenas de Estados Unidos e México, à frente de Canadá e Austrália.

Se o levantamento parece exagerado, aqui vai outro dado que mostra a força do esporte em terras tupiniquins: o número de mensagens no Twitter sobre o Super Bowl, vencido pelo New England Patriots em duelo com o Seattle Seahawks, foi maior do que sobre a final da Copa do Brasil, entre Cruzeiro e Atlético-MG.

A audiência na tevê também só faz aumentar nos últimos anos. O canal Esporte Interativo, que transmite na tevê aberta a NFL, teve um acréscimo de 54% de audiência no último ano em relação à temporada 2013/2014. São 127 mil pessoas por minuto em média vendo a partida. Na ESPN, o crescimento da audiência do Super Bowl foi de 800% nos últimos quatro anos.

Falta direcionar todo esse interesse para os Onças, apelido da seleção brasileira. Ramez Georges Hage, 30 anos, proprietário da Lança Sports, fornecedora oficial de material esportivo para os Onças e entusiasta do esporte – ele próprio jogou na seleção ao lado de Santucci e Rodriguez e faz parte do elenco do time do Flamengo – acha que é difícil para qualquer esporte no Brasil crescer à sombra do futebol, mas diz acreditar ser possível aproveitar o entusiasmo do momento.

"Estamos vivendo o melhor momento do futebol americano no Brasil. Assim que as pessoas conhecerem as regras, começarem a perceber que o esporte tem muito mais de xadrez do que de MMA, ele só tem a crescer. Acho que nossos filhos, nossos netos vão colher o que está sendo plantado hoje", afirma.

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