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Porta de dormitório na Escola Preparatória da Academia da Força Aérea dos Estados Unidos tem pichação com mensagem racista | Reprodução
Porta de dormitório na Escola Preparatória da Academia da Força Aérea dos Estados Unidos tem pichação com mensagem racista| Foto: Reprodução

Em setembro, cinco alunos negros candidatos a cadete encontraram textos racistas na porta de seus quartos na Escola Preparatória da Academia da Força Aérea dos EUA. Um dos candidatos encontrou as palavras "vá para casa, nigger" (palavra pejorativa e ofensiva para se referir a negros em inglês), segundo sua mãe postou nas redes sociais.

As mensagens racistas perturbaram a academia na cidade de Colorado Springs, tanto que a escola começou prontamente uma investigação. O superintendente chegou a fazer um discurso no qual condenou o uso da "linguagem horrível" e chamou atenção nacional para a questão. 

Cercado por 1,5 mil membros da equipe da escola, o general Jay Silveria disse para os cadetes gravarem o discurso no celular, "para poderem usar depois… para que tenhamos a coragem moral juntos". "Se você não consegue tratar alguém com dignidade e respeito", afirmou Silveria, "então saia daqui". 

O discurso, postado pela academia no YouTube, viralizou. Foi assistido cerca de 1,2 milhões de vezes e se tornou manchete de vários veículos do país. Chegou até a receber comentários do ex-vice presidente, Joe Biden. 

Mas na última terça-feira, a escola fez um novo anúncio. A pessoa responsável pelas mensagens racistas, de acordo com a academia, foi um dos candidatos que relatou tê-las recebido. 

"O indivíduo admitiu ter responsabilidade pelos atos e isso foi validado pela investigação", afirmou o porta-voz da academia, o coronel Allen Herritage. "O racismo, praticado de qualquer forma, não tem espaço na academia", acrescenta. 

O candidato a cadete acusado de produzir as mensagens não foi identificado, mas o jornal Colorado Springs Gazette publicou que ele não está mais matriculado na escola. Fontes afirmaram para o jornal que ele "fez isso para se livrar de problemas que tinha na escola por outra irregularidade". 

O anúncio coloca a Escola Preparatória da Academia da Força Aérea em uma crescente lista de "trotes de crime de ódio" – casos em que os atos de racismo ou antissemitismo foram cometidos por alguém do próprio grupo minoritário atacado. 

Pegadinha

Na segunda-feira, a polícia de Riley County, no estado de Kansas, revelou que Dauntarius Williams, um jovem negro de 21 anos, admitiu ter pichado o próprio carro com mensagens racistas como "uma pegadinha de Halloween que saiu do controle". O carro tinha mensagens como "negros, voltem para casa", "namorem com pessoas do seu tipo" e "morram". O incidente provocou controvérsia e preocupação na Universidade do Estado de Kansas, principalmente depois que Williams deu uma entrevista afirmando que sairia da universidade por conta do incidente. Ele não é, na realidade, um aluno da instituição. 

Policiais decidiram não acusar Williams por falso testemunho, afirmando que o rapaz está "genuinamente arrependido" por suas ações e que chegou a pedir desculpas. 

"A situação saiu do controle quando na realidade não deveria ter começado", disse Williams em uma declaração. "Eu gostaria de poder voltar no tempo, mas não posso. Eu só quero me desculpar do fundo do meu coração pela dor e incômodo que trouxe a todos vocês". 

Quando as notícias sobre as mensagens no carro começaram a circular na semana passada, estudantes afro-americanos da universidade se reuniram para conversar sobre i incidente. 

Andrew Hammond, um estudante de jornalismo da universidade, disse para o jornal Kansas City Star que estava "horrorizado e ferido" por saber que o crime era falso.

"Como um aluno negro que já vivenciou vários incidentes racistas, posso dizer que atos como esse ferem a credibilidade de alunos que querem ser sérios sobre isso", afirma Hammond. "Não tenho certeza qual tipo de ser humano faz esse tipo de coisa como uma pegadinha". 

Cerca de três semanas antes, a polícia revelou que Eddie Curlin, de 29 anos, um ex-aluno negro da Universidade de Eastern Michigan, foi acusado de participar de três pichações racistas no campus da universidade. 

Preocupação entre ativistas

Não está claro o que leva as pessoas a cometerem esses trotes, pegadinhas e relatos falsos. Mas essas revelações têm se tornado uma preocupação para ativistas dos direitos civis que documentam incidentes racistas e antissemitas, principalmente com o aumento de ocorrência de crimes de ódio depois da eleição de Trump. 

"Não existem muitas pessoas cometendo crimes de ódio falsos, mas quando fazem isso, eles se tornam manchete rapidamente", afirma o escritor investigativo Ryan Lenz no ProPublica, um site do Southern Poverty Law Center. Esses casos podem, de acordo com Lenz, "prejudicar a legitimidade de outros crimes de ódio". 

Esses casos também revigoraram muitos comentadores de extrema direita e apoiadores de Trump, que argumentam que os relatos sobre discurso de ódio e pichações racistas são frequentemente falsos e armados pela mídia liberal. 

"Qualquer um que esteja surpreso por esses trotes de crime de ódio não estava prestando muita atenção", publicou no Twitter Jeremy Carl, um pesquisador de direita da Instituição Hoover, da Universidade de Stanford. "A ocorrência de crimes de ódio falsos cresceu muito depois da eleição de Trump". 

Crime de ódio falso

"Trote de ódio: candidato a cadete da Academia da Força Aérea escreve mensagens racistas para si mesmo", era a manchete para o incidente em um jornal conservador. Existe até um site, o fakehatecrimes.com, que se compromete a listar esses casos. 

Em agosto, Sebatian Gorka, então conselheiro de segurança nacional de Trump, apareceu na MSNBC para explicar os motivos do presidente para não condenar publicamente o bombardeio em uma mesquita na cidade de Bloomington, no Minnesota. Ele sugeriu que o ataque poderia ser um crime de ódio falso.

"Existe uma regra: todos os primeiros relatos eram falsos", afirmou Gorka. "Nós tivemos uma série de supostos crimes de ódio cometidos por indivíduos da extrema direita nos últimos seis meses, que tinham sido na realidade produzidos por pessoas da esquerda". 

Apesar da existência de fraudes, especialistas em crimes de ódio afirmam que os casos falsos ainda são relativamente raros. 

Brian Levin, diretor do Estudo de Ódio e Extremismo na Universidade do Estado da Califórnia, disse que esses trotes aparecem em relatórios sobre crimes de ódio, assim como aparecem em relatórios de ofensas criminais. Mas que eles são uma fração pequena das centenas de crimes de ódio denunciados todos os anos. 

"Esses casos se tornaram um símbolo para aqueles que querem promover a ideia que a maioria dos crimes de ódio do país são trotes", explica Levin. "Precisamos resolver isso", complementa. 

Usando a base de dados do ProPublica, o BuzzFeed encontrou 154 incidentes de crime de ódio em 120 universidades do país. Mais de dois terços deles promovem grupos ou ideologias de supremacia branca, e mais de um terço deles citam o nome ou slogans de Trump. 

Ainda assim, as autoridades prenderam apenas 5% dos criminosos em casos de ameaça ou vandalismo. Em pelo menos um terço das ocorrências, as universidades afirmaram que o incidente era um trote, de acordo com o BuzzFeed. 

Na terça-feira, Silveria, o general das Forças Aéreas que ganhou fama nacional com seu discurso antirracista em setembro, manteve sua posição original. "Independente das circunstâncias sob as quais as mensagens foram escritas, elas foram escritas, e devemos falar sobre isso", disse Silveria para o Colorado Springs Gazette. "Não se pode deixar de falar da necessidade de uma cultura de dignidade e respeito – e aqueles que não entendem esses conceitos não são bem-vindos aqui", finaliza.

Tradução Gisele Eberspächer
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