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Apoiadores da campanha de Hillary Clinton, durante evento nas últimas eleições para presidente nos Estados Unidos | DOUG MILLS/NYT
Apoiadores da campanha de Hillary Clinton, durante evento nas últimas eleições para presidente nos Estados Unidos| Foto: DOUG MILLS/NYT

Vídeos no YouTube mostrando a polícia batendo em pessoas nas ruas dos Estados Unidos; um hoax extensamente circulado na internet sobre muçulmanos em Michigan coletando dinheiro da seguridade social para várias esposas; notícia regional sobre dois veteranos do exército que foram brutalmente assaltados em uma noite gelada de inverno. 

Tudo isso foi filmado, postado e escrito por americanos. Porém, esse conteúdo acabou se tornando assunto de uma rede de páginas do Facebook ligada a uma obscura empresa russa que conduziu campanhas de propaganda para o Kremlin e que agora muitos acreditam ser o centro de um amplo programa russo para influenciar a eleição presidencial americana de 2016. 

O New York Times analisou centenas desses posts e mostrou que uma das armas mais poderosas que agentes russos usaram para remodelar a política dos EUA foi a revolta, a paixão e a desinformação que os próprios americanos divulgavam nas plataformas de redes sociais. 

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As páginas russas – com nomes como "Being Patriotic", "Secured Borders" e "Blacktivist" – traziam queixas sobre agentes federais vindas de um site conservador e um artigo vago da revista People sobre um veterano que se tornou empresário. Elas postaram descrições e vídeos de violência policial de contas legítimas do YouTube e do Facebook, às vezes um pouco editados para obter um efeito maior.  

Outros posts dessas páginas aplicaram linguagem empolada ou frases raramente usadas no inglês americano; porém, esse uso de ideias e argumentos emprestados de cidadãos dos Estados Unidos, que já repercutiam entre conservadores e liberais, demonstrou uma compreensão ardilosa do terreno político. 

Os russos também pagaram ao Facebook para promover seus posts por feeds de notícias de usuários nos EUA, o que os ajudou a testar que tipo de conteúdo circularia mais amplamente, e para que tipo de público.  "Isso é hacking cultural", disse Jonathan Albright, diretor de pesquisa do Centro Tow para o Jornalismo Digital, da Universidade de Columbia.

"Eles estão usando sistemas já criados por essas plataformas para aumentar o engajamento; estão se aproveitando da indignação, o que é bem fácil, porque ela, assim como a emoção, é que fazem as pessoas compartilharem." 

Todas as páginas foram fechadas pelo Facebook recentemente, quando a empresa conduziu uma investigação interna sobre a penetração russa em sua rede social, mas o conteúdo e a métrica de engajamento de centenas de posts foram capturados pela CrowdTangle, ferramenta de análise social, e reunidos por Albright.  

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Uma página russa do Facebook, a United Muslims of America, frequentemente postava conteúdo que destacava a discriminação contra os muçulmanos. Em junho de 2016, ela postou um vídeo feito originalmente por Waqas Shah, de 23 anos, produtor de vídeos on-line de Staten Island, Nova York. Nele, Shah, vestindo a longa túnica tradicional usada por homens árabes, andava pela Union Square, na cidade de Nova York, e era ameaçado por outro ator para testar a reação das pessoas que passavam. 

 O vídeo termina com Shah denunciando a hipocrisia de Nova York: a cidade se considera um cadinho cultural, mas ninguém interveio ao vê-lo ameaçado. O vídeo original, postado no YouTube em junho de 2016, foi um sucesso e teve mais de 3 milhões de visualizações. Uma semana depois de postado, a página United Muslims of America copiou o vídeo e o publicou sem o link original do YouTube, um processo conhecido como "ripagem". Ali, o vídeo do Shah se tornou o post mais popular da página russa, tendo cerca de 150 mil interações. 

Shah disse que, quando percebeu que seu vídeo havia sido ripado, escreveu para o administrador da conta United Muslims pedindo que adicionasse o link para o original no YouTube. Ele disse que sua maior preocupação era que a página estava roubando suas visualizações. Quando ficou sabendo que seu vídeo estava sendo usado por uma conta russa para incentivar a divisão nos EUA, Shah sabia que não havia nada que pudesse fazer. "Sempre vai existir alguém que manipula as coisas de acordo com seus interesses", disse ele. 

Peça na propaganda russa

No ano passado, quando a página Being Patriotic publicou uma breve mensagem pedindo que os americanos se mobilizassem contra propostas de expansão de assentamentos de refugiados nos EUA, ela foi curtida, compartilhada e comentada por mais de 750 mil usuários do Facebook. O post acabou indo parar no feed de Len Swanson, 64 anos, ativista republicano de Houston e grande apoiador de Donald Trump.  

Swanson, que frequentemente publica longos posts no LinkedIn e no Facebook, usou então a mensagem e a foto para abrir um dos seus próprios posts, atacando Hillary Clinton e os democratas. A mensagem também aparece em um site de memes conservador, com uma foto que pelo menos um jornal creditou à Marinha dos Estados Unidos.  

"Costumo publicar artigos várias vezes por semana, para manter a narrativa", disse Swanson em uma entrevista. Ele afirmou não se importar com o fato de ter se tornado mais uma peça na máquina de propaganda russa.

"Você sabe que fazemos a mesma coisa lá. Ou acha que somos santos?", disse Swanson. 

No início de 2016, a Being Patriotic copiou e colou um artigo do site de conspirações InfoWars dizendo que funcionários públicos federais haviam se apropriado de "terras particulares por uma quantia irrisória". A página russa adicionou seu próprio texto: "A nação não pode mais confiar em seu governo. Que vergonha!".  

Enquanto legisladores debatem uma regulamentação mais estrita para empresas como o Facebook, a trilha russa de migalhas digitais mostra o quanto será difícil limpar as redes sociais da influência estrangeira, ou até mesmo controlar campanhas de propaganda disfarçadas espalhadas por plataformas sociais pela Rússia, pela China e por outros países.  

Copiar o conteúdo de outras pessoas sem menção adequada pode ser uma violação das regras das redes sociais, mas o conteúdo propriamente dito – vídeos, mensagens e memes do Instagram emprestados e compartilhados nas páginas russas – não é explicitamente violento ou discriminatório, portanto não viola as regras desses serviços. Na verdade, esse é precisamente o tipo de conteúdo que essas plataformas buscam com avidez.  

A campanha russa também parece ter sido preparada para explorar a estratégia dessas mesmas empresas para envolver os usuários. O Facebook, por exemplo, faz de tudo para que seu público interaja mais em grupos como os mantidos pelos russos, onde podem "compartilhar interesses comuns e expressar sua opinião" sobre uma causa comum. O LinkedIn, rede social de profissionais da Microsoft, encoraja usuários como Swanson a criar artigos e outros conteúdos. 

"A estratégia não é um mistério. Potências estrangeiras deitam e rolam com as regras do jogo escritas por nós mesmos", disse Michael Strangelove, professor de Cultura da Internet na Universidade de Ottawa. 

Um porta-voz do Facebook não quis fazer comentários. O LinkedIn disse que o post de Swanson não violou os termos de serviço do site.  

Mesmas ferramentas

Os russos parecem ter se infiltrado pelas plataformas de redes sociais americanas e usado as mesmas ferramentas promocionais que as pessoas usam para divulgar vídeos de gatinhos, reclamações contra companhias aéreas e queixas pessoais. Muitos dos posts da Being Patriotic são idênticos às imagens compartilháveis de sites como ConservativeMemes.com, junto com mais conteúdo conservador feito para o compartilhamento em redes sociais.  

O material divulgado pelas contas russas foi logo usado por outros americanos no Facebook, o que espalhou os posts para uma audiência ainda maior. A presença russa parece estar em diferentes plataformas: algumas das contas do Facebook, incluindo a Being Patriotic, possuíam links no Instagram e no Twitter, de acordo com o conteúdo deletado, mas capturado no cache do Google. 

John W. Kelly, fundador da Graphika, empresa de análise comercial em Nova York, disse que os russos pareciam ter uma estratégia consistente em diferentes plataformas. A companhia encontrou milhares de contas de redes sociais cujo conteúdo segue operações de informação russas, promovendo artigos e vídeos do WikiLeaks conseguido de e-mails roubados e falsas conspirações sobre armas químicas sírias. 

"As contas russas se misturam a grupos reais de usuários do Facebook e do Twitter, desde os nacionalistas brancos até os apoiadores de Bernie Sanders, e tentam manipulá-los e radicalizá-los", disse Kelly. 

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