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Nísia Trindade, ministra da Saúde
Nísia Trindade, ministra da Saúde, recebe indígenas em 8 de fevereiro de 2024.| Foto: EFE/ Andre Borges

O Brasil enfrenta um número de casos de dengue que bate recordes não vistos em mais de uma década e uma crise humanitária entre os indígenas yanomami, problemas que se somam a outros acumulados pelo Ministério da Saúde, sob o comando da socióloga Nísia Trindade desde janeiro de 2023. Um nome importante da saúde desde que comandou a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) incluindo o período da pandemia, a ministra resiste no cargo.

De denúncias de má gestão de dinheiro público quando ainda à frente da fundação sanitária à crise epidêmica da dengue em 2024, passando pela decisão de colocar o Brasil como único país do mundo a obrigar crianças a tomar a vacina contra Covid, a gestão de Trindade tem sido turbulenta, culminando com uma crítica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em uma reunião de ministros que a levou aos prantos.

É um desenvolvimento importante desde julho de 2023, quando Lula a chamou de “minha ministra” e declarou ao centrão que ela não era “trocável”, ao contrário da antiga ministra do Esporte, Ana Moser, substituída pelo deputado federal André Fufuca (PP-MA) em setembro. Destino similar tiveram Rita Serrano (Caixa Econômica) e Daniela Carneiro (Turismo). O Ministério da Saúde é alvo de pressões por trocas porque tem um dos maiores orçamentos do Executivo. Após as críticas, Trindade alegou que é alvo do machismo.

Confira abaixo um resumo do que aconteceu sob os auspícios da ministra em um ano e três meses de ministério.

A dança erótica

“Foi totalmente equivocada e fora de contexto”, viu-se obrigada a declarar Nísia Trindade em outubro de 2023, após a repercussão negativa de uma dança erótica (conhecida como “batcu”) no 1º Encontro de Mobilização de Promoção da Saúde. Um vídeo mostrava uma mulher se apresentando com uma coreografia sugestiva, de conotação sexual. O grupo responsável pela apresentação foi remunerado em R$ 2 mil pelo Ministério da Saúde. Andrey Lemos, à frente do Departamento de Prevenção e Promoção da Saúde, responsável direto por permitir a apresentação, terminou demitido. No evento, Lemos fez um apelo espiritual ao orixá da comunicação, após uma bênção de uma mãe de santo, tipo de manifestação religiosa que, quando vem de cristãos, a esquerda com frequência interpreta como violação da laicidade do Estado.

Suspeita de favorecimento para município em que seu filho é secretário

A oposição ao governo Lula levantou suspeitas a respeito de um aporte de R$ 55 milhões do Ministério da Saúde, em dezembro passado, para a cidade de Cabo Frio, onde o filho de Trindade é secretário da Cultura. Semanas depois de a verba chegar, Márcio Lima Sampaio foi nomeado para o cargo pela prefeitura, com salário de mais de R$ 9 mil. A prefeita Magdala Furtado, contudo, é do PL, partido de Bolsonaro. Nísia defendeu o mérito do filho: “além de músico reconhecido, é graduado em ciências sociais e políticas culturais”, declarou ao Estadão. O caso está sendo investigado pelo Tribunal de Contas da União.

Problemas da Fiocruz reemergem para assombrar a ministra

No dia da posse de Nísia Trindade, 2 de janeiro de 2023, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) comemorou que ela era “a primeira mulher a assumir o comando do Ministério da Saúde” e “também a primeira mulher a presidir a Fiocruz”.

Como informou a Gazeta do Povo na época, a Fiocruz sob a gestão de Trindade pisou bem além do que as evidências científicas permitiam durante a pandemia de Covid-19, defendendo lockdowns, “passaportes” vacinais que ignoravam a imunidade natural, uso generalizado de máscaras (até quando já estava claro que não funcionavam, em novembro de 2022) e vacinas de mRNA em grupos demográficos nos quais seu benefício era incerto. O ministério respondeu à Gazeta do Povo que a nova gestão tinha “como diretriz a ciência”, ignorando as fontes científicas que contrariavam as decisões da gestão.

Há também uma denúncia de que, quando na Fiocruz, a ministra foi responsável por R$ 11 milhões em supostos danos ao erário em um estudo sobre uso de drogas ilícitas. O Tribunal de Contas da União (TCU) emitiu um parecer em dezembro de 2023, assinado pelo auditor Sérgio Sanchez, que indicava que Nísia não comprovou regularidade na aplicação de recursos repassados do Ministério da Justiça para a Fiocruz. Outro relatório do TCU diz que a Fiocruz vendeu para o Ministério da Saúde testes de Covid-19 superfaturados quase oito vezes na comparação com o mercado. O prejuízo teria chegado a R$ 400 milhões. Os casos ainda tramitam no tribunal.

A crise humanitária dos yanomami persiste

Em maio de 2023, em entrevista à revista Veja, a ministra disse que a situação da etnia indígena yanomami “se agravou por causa de uma política de descaso” do governo anterior, “com o Estado abrindo mão do poder de regulação econômica e social sobre atividades de caráter predatório”. Ela determinou para o caso um “estado de emergência sanitária” e inaugurou um Centro de Referência em Saúde Indígena em Surucucu, Roraima, além de esforços para fornecimento de água potável.

Contudo, no primeiro ano do governo Lula mais indígenas yanomami morreram do que no último ano da gestão de Jair Bolsonaro. Foram 363 óbitos, um aumento de 5,8% na comparação com 2022. A explicação do Ministério da Saúde é que as mortes eram subnotificadas antes. Entre as causas das mortes estão malária e desnutrição. Aproveitando a situação, a oposição denunciou Lula ao Tribunal Penal Internacional pela continuidade e agravamento da tragédia.

Desastre de imagem na nota técnica pró-aborto

Dois dias após a posse, a Gazeta do Povo alertou que Nísia Trindade é pró-aborto. Ela tocou no tema em seu primeiro discurso. Um incidente mais de um ano depois veio para confirmar a seriedade desse alerta e uma possível falta de separação entre essa crença pessoal, em conflito com a legislação brasileira sobre o direito à vida, e sua atuação à frente do Ministério da Saúde.

Em fevereiro de 2024, uma nota técnica do ministério autorizou o aborto em caso de estupro em qualquer etapa da gestação, desfazendo uma política do governo anterior que estabelecia um limite de fase gestacional de 21 semanas e seis dias. A nota alegava, contra evidências recentes discutidas na literatura científica, que “até o nascimento (...) o feto muito provavelmente não é capaz de sentir dor”.

O ministério alegou que Nísia Trindade não estava sabendo da nota. A ministra revogou a decisão em menos de 24 horas. Essa trapalhada incomodou especialmente ao presidente Lula, que a citou na reunião ministerial, por danos à imagem do governo. Seguiram-se demissões no ministério que podem ter assegurado a continuidade da ministra no cargo.

Dengue desgovernada

Este ano, apenas em três meses, os casos de dengue no Brasil ultrapassaram dois milhões. É a maior marca na série histórica desde 2012, batendo o recorte de 1,7 milhão de 2015. A epidemia assusta até líderes internacionais que planejam viagens ao Brasil, como é o caso do presidente francês Emmanuel Macron, segundo o Estadão. No início de março, cinco estados e o Distrito Federal já haviam declarado emergência — agora são 11.

A oposição cobra do ministério mais vacinas contra a dengue e acusa atraso na compra das doses. Em fevereiro, a ministra disse que 521 municípios foram selecionados pelo ministério para receber a vacina por critérios como taxa de incidência da doença e o número de habitantes. As doses são da vacina Qdenga, da farmacêutica japonesa Takeda. Nísia Trindade disse que não pode “vender a ilusão” de que a vacina mudará o alastramento da doença. “A vacina não deve ser vista como um instrumento mágico, porque precisa de duas doses, intervalo de três meses”, declarou, completando que “a oferta do laboratório é restrita”.

Falta remédio para lepra

A Organização Mundial da Saúde doa para o Brasil medicamentos como a clofazimina para hanseníase, antigamente conhecida como lepra. A Folha de S. Paulo revelou que essas drogas estão em falta. O Ministério da Saúde culpa a crise do tráfego marítimo na região do Oriente Médio, mas admite que o estoque de 2023 já não era suficiente. Há distúrbio no fornecimento desde o início da pandemia de Covid-19. A pasta acaba recorrendo a medicamentos de segunda linha, de eficácia menos estabelecida.

A situação chegou ao ponto de a Sociedade Brasileira de Hansenologia fazer denúncia ao Ministério Público do Rio de Janeiro. Os infectados são menos de 20 mil pessoas anualmente, o que coloca o Brasil como segundo maior afetado, após a Índia. Há uma tendência de crescimento de cerca de 5% ao ano. O ministério disse em nota que promoverá audiências públicas para a possibilidade de produzir o medicamento adequado no país.

Insistência na obrigatoriedade da vacina da Covid para crianças, isolando o Brasil do mundo

No fim de outubro de 2023, anunciou-se que o Ministério da Saúde incluiria no Programa Nacional de Imunizações, que tem 50 anos de idade e ajudou o Brasil a se livrar da varíola e diminuir casos de outras doenças fatais para crianças como a poliomielite, a vacina contra Covid-19. Isso significa que, agora, o Brasil é o único país do mundo que obriga crianças a tomar o imunizante.

Não há evidências suficientes de que esta vacina seja necessária para crianças saudáveis — na verdade, um estudo em pré-publicação da Administração de Alimentos e Drogas (FDA) americana indica um possível sinal de segurança relacionado a convulsões na exata faixa etária contemplada. Em resposta, o Conselho Federal de Medicina chamou seus membros para votar em uma consulta a respeito, e o Senado realizou uma audiência pública com especialistas internacionais. Ainda não há indicação de que Nísia Trindade pretenda recuar dessa decisão, apesar de sua posição menos entusiástica para com a vacina da dengue.

O Ministério da Saúde ainda não respondeu ao contato da reportagem, mas dispõe deste espaço para se manifestar posteriormente.

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