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Pastores em prece com Donald Trump, durante a campanha presidencial de 2016 | MANDEL NGAN/AFP
Pastores em prece com Donald Trump, durante a campanha presidencial de 2016| Foto: MANDEL NGAN/AFP

O republicano Donald Trump deve muito aos norte-americanos brancos e protestantes pela vitória nas eleições presidenciais nos Estados Unidos, em 2016. De acordo com a Pew Research Center, Trump teve votos de 81% dos evangélicos brancos que votaram e 58% dos protestantes. O desafio agora será mantê-los a seu lado, principalmente a ala jovem que está cada vez mais flertando com os democratas.

Desde que os “brancos protestantes” seguiram para o “Novo Mundo” em busca de uma terra com liberdade para exercerem sua fé, eles foram os principais responsáveis pela formação do país. Foram eles que, em 1776, lideraram a Revolução Americana para a independência dos ingleses e determinaram como seria a república, que segue praticamente intacta até os dias de hoje, e que estabelece como os candidatos deveriam e devem se portar com esse grupo de pessoas.

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Dentro deste panorama estabelecido há mais de 250 anos, os americanos se dividiram entre os partidos Republicano e Democrata, com visões aparentemente conservadora e progressista, respectivamente, e passaram a lutar pelos votos de um grupo específico que oscila de eleição para eleição: os evangélicos com tendências progressistas. Nas eleições de 2016, a qual levou Donald Trump à vitória, fora este grupo - além da massa conservadora - que engrossou o resultado.

Grande parte dos cristãos evangélicos que votaram em Donald Trump em números esmagadores ainda é fiel ao Partido Republicano – o apoio do grupo conservador ao presidente permanece relativamente firme. Tão firme que os críticos ao seu governo não compreendem como pessoas que se dizem piedosas possam tolerar alguns comportamentos de Trump nada compatíveis com princípios religiosos, como ser dono de cassinos e protagonista de escândalos sexuais. Para tais críticos, a única explicação possível da posição dos evangélicos é uma combinação de ignorância e hipocrisia.

Mas esse apoio – relativamente firme – balança.

Os evangélicos nem sempre se encaixam nos estereótipos. Neste grupo de pessoas, podem-se encontrar fazendeiros, encanadores, de carpinteiros a agentes imobiliários, médicos e advogados. Por isso, a concepção de mundo e cultura que se tem também oscila bastante.

Parte da decisão de muitos evangélicos de apoiar Trump para presidente foi atribuída a diferenças de longa data com os candidatos progressistas em relação às questões sociais. Os evangélicos, mesmo os que veem com bons olhos algumas ideias progressistas, também tendem a compartilhar posições conservadoras sobre o aborto, o direito a posse de armas, a segurança das fronteiras nacionais e a luta contra o “terrorismo islâmico radical”, como geralmente afirmam. Contudo, foram as promessas específicas relacionadas a cada um destes temas durante a campanha de Trump para a direita religiosa que consolidaram o apoio do grupo. Até agora, eles acham que o presidente manteve essas promessas. Ele acompanhou os pedidos feitos por diferentes grupos para a Casa Branca, pediu contribuições para as reuniões judiciais, manteve-se firme com a questão de Israel e assinou uma ordem executiva expandindo a liberdade religiosa em relação ao discurso político, especialmente com posicionamentos contrários ligados aos direitos LGBT.

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Stephen Mansfield, autor do livro “Choosing Donald Trump” (Escolhendo Donald Trump), é um cristão conservador que não apoiou Trump, mas que procura entender a aposta dos seus companheiros cristãos no republicano. Em uma entrevista a Sean Illing, expôs a sua visão sobre o fato de os cristãos terem preferido Trump: eles sabiam que Trump era falho, mas se arriscaram mesmo assim, pois estavam cansados dos republicanos que tradicionalmente concorriam ao cargo para a Casa Branca, além de insatisfeitos pelos anos de Obama. Por isso, eles estavam dispostos a lançar os dados sobre uma pessoa que eles pensavam que poderia se posicionar como eles em algumas questões cruciais, incluindo, à época, o cargo que abriria na Suprema Corte Americana, uma chance de emplacar um juiz pró-vida.

Segundo Mansfield, “eles (os cristãos) o apoiaram tão plenamente que, aos olhos do povo americano, eles possuem Trump. E eles assumiram um grande risco fazendo isto”. Contudo, Mansfield também diz que não está disposto a chamar líderes religiosos de hipócritas por se aproximarem de Trump. “Alguns deles, acho eu, eram apenas crentes sinceros. Eles acreditam sinceramente que Donald Trump teria sido enviado por Deus e que iria colocar as pessoas certas na Suprema Corte e lutar pela nossa liberdade religiosa.”

A maioria dos crentes evangélicos não condena Trump pelas palavras impensadas ou atos que perturbam os outros, mesmo quando o desaprovam. Isso porque, provavelmente, metade das pessoas nas igrejas em todo o país definidas como “evangélicas”, foram convertidas de vidas que eram ainda mais sem princípios do que a vida que Trump levou. Alguns com vários divórcios, outros usavam linguagem chula, e muitos eram viciados em drogas ou álcool. Na maioria dos casos, nenhum milagre imediato aconteceu em relação ao comportamento no momento de suas confissões de fé ou no momento do batismo. O único milagre que lhes foi prometido foi a aplicação da graça de Jesus Cristo, que, sob a doutrina do Novo Testamento, lavou os seus pecados. Eles sabem que Donald J. Trump não é digno da graça de Deus, porque nem eles o são - o que, para eles, é o mistério de um presente imerecido, e que levou Deus a escolher Trump para liderar o seu país.

“Alguns deles, acho eu, eram apenas crentes sinceros. Eles acreditam sinceramente que Donald Trump teria sido enviado por Deus e que iria colocar as pessoas certas na Suprema Corte e lutar pela nossa liberdade religiosa.”

“Make America Great Again”

Além disso, o fato é que cristãos e evangélicos gostam de uma América “grande”- uma América segura e forte, um país que não vende suas liberdades constitucionais para interesses internacionais, onde é inaceitável comprometer sua bússola moral em troca de interesses especiais esquerdistas, progressistas e socialistas; é também inadmissível degradar seu DNA judaico-cristão por uma história irrelevante que pinta os Estados Unidos como um inimigo do bem. Sob a liderança republicana e democrata nas últimas décadas, foi isso que aconteceu.

E, então, veio Trump com um discurso ousado e até mesmo brusco sobre o retorno da nação grandiosa que é os Estados Unidos no imaginário do seu povo, em um período de agitações nacionais grandes. E as suas palavras ressoam, elas atingem o coração dos votantes, despertam um eleitorado que antes se sentia subjugado e intimidado pelos democratas. Elas prometem quebrar as cadeias ateias e seculares feridas pelo governo anterior, e pelos governos anteriores. Foi por isso que os cristãos votaram em Trump. E é por isso que os evangélicos continuam apoiando em Trump.

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Os cristãos descontentes

Algo novo, porém, se manifesta entre os evangélicos.

Entre os jovens, cresce uma geração não tão conservadora, que questiona as crenças literais da Bíblia, rejeita a politização de sua religião e, nesse caminho, vê no horizonte a possibilidade de quebra da aliança natural dos evangélicos com o partido republicano.

“Eu acho que os evangélicos estão em uma crise real agora”, disse Brandan Robertson, 25 anos, pastor líder de uma comunidade cristã progressista em San Diego, Califórnia, ao Haaretz, jornal israelense. Apesar de ter crescido aprendendo que Israel seria o povo escolhido de Deus, a tecnologia moderna e a globalização levaram Robertson e seus colegas a questionarem esses ensinamentos – e algumas atitudes de Trump, como a de declarar Jerusalém a capital de Israel.

“Como vivemos em um mundo globalizado tão interconectado, como estudantes, podemos ver no Facebook ou viajar facilmente para uma parte diferente do mundo e ver que as coisas que estavam sendo contadas - com base, em minha opinião, em teologia antiquada - não corresponde à realidade do que estava acontecendo com o mundo”, disse ele ainda ao Haaretz.

Representando a próxima onda do cristianismo, a maioria desta geração mais jovem possui um conjunto completamente diferente de perspectivas sociais e políticas, inclusive sobre Israel. Eles não são de forma alguma contra Israel - eles simplesmente não a elevam ou a veem da mesma forma que a geração de seus pais – que a viam de maneira especial, por ser o local em que Jesus profetizou sua volta. Alguns grupos nas faculdades cristãs nos Estados Unidos disseram que não estavam interessados em favorecer os judeus sobre os palestinos.

A eleição presidencial de 2016 criou uma grande divisão na comunidade evangélica. Embora os evangélicos caucasianos terem votado de maneira esmagadora em Trump (81%), muitos da geração mais jovem são menos expressivos em seu apoio a Trump - alguns até mesmo se virando para os democratas.

Cientistas políticos apontam que foram os anos de Barack Obama como presidente que levaram a essa mudança. O próprio Robertson, na mesma entrevista falou: “Na noite em que Obama foi eleito na primeira vez, chorei porque achava que nosso país havia vendido sua alma ao diabo”, admite ele. Mas em 2012, Robertson criou um grupo chamado Evangelicals for Obama (evangélicos pelo Obama) e em 2016 trabalhou com as campanhas de Bernie Sanders e Hillary Clinton, ajudando-os a alcançar jovens evangélicos.

Este novo grupo de evangélicos acabou se frustrando com tantos líderes cristãos e evangélicos conservadores mais velhos que se uniram em torno de Trump, utilizando argumentos fracos para justificar os maus comportamentos do republicano, sem pensar nas consequências que traria a sua eleição. Os conservadores quase retrataram Trump como um modelo de virtude, de bom coração e magnanimidade, leitura não compartilhada pelos cristãos mais jovens.

Este grupo de cristãos mais jovens, então, passou a questionar os padrões incoerentes dessa escolha. A mudança é em grande parte motivada pela arena política, onde algumas das gerações mais jovens sentem que perderam a fé em seus representantes. Os jovens têm se considerado cada vez mais independentes de partidos, e se fortalecendo em manter os seus valores de maneira apartidária. Há uma espécie de frustração por aqueles que foram cegados pelo partidarismo e hoje sentem as consequências destas escolhas.

Hoje, vasta infraestrutura organizacional nos Estados Unidos dos evangélicos, variando de mega-igrejas e editoras, à universidades e organizações políticas, têm diminuído, ainda que o grupo ainda mantenha uma parcela não desprezível do poder político e de organizações sociais. Contudo, não está claro que todas essas igrejas e escolas vão durar, porque há um número cada vez menor de jovens aliados aos seus princípios políticos e sociais. Sejam eles partidários de Israel ou ativistas críticos, as diferentes abordagens dos evangélicos centenários marcam uma mudança em relação aos seus predecessores hoje nos Estados Unidos.

E, caso o Partido Republicano não for eficiente ao saciar os anseios de justiça social dessa leva jovem de cristãos, poderá perder seus “fiéis”.

* Morena Abdala, analista de relações internacionais, especialista em Presidencialismo Americano pela Harvard University, professora de geopolítica e cofundadora da SophiaData.

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