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Durante a era do gelo de cerca de 450 mil anos atrás, uma faixa de terra ligava a ilha ao continente | /BigStock
Durante a era do gelo de cerca de 450 mil anos atrás, uma faixa de terra ligava a ilha ao continente| Foto: /BigStock

Na última semana, a primeira ministra inglesa Theresa May assinou a carta que formaliza a saída britânica da União Europeia. Mas essa não será a primeira vez que a Grã Bretanha se separa do continente europeu. Um estudo publicado semana passada no periódico Nature Communications descreveu uma saída bem mais catastrófica: uma destruição geológica, feita em dois atos, separou a ilha do resto da Europa.

Durante a era do gelo de cerca de 450 mil anos atrás, uma faixa de terra ligava a ilha ao continente. As baixas temperaturas imobilizavam grandes quantidades de água na forma de gelo polar e o nível do mar era muito mais baixo do que hoje. Nessa época, uma faixa de sedimentos - feita de camadas de conchas e algas mortas pulverizadas - conectava a parte sul da Grã Bretanha com o noroeste da França.

“Tínhamos essa espécie de cordilheira de pedras bastante firme”, disse a autora do estudo, Jenny Collier, uma geofísica marinha do Imperial College London. Ela subia por dezenas de metros acima do oceano que envolvia a Grã Bretanha.

Essa faixa de terra também atuava como uma represa, segurando um lago de água glacial derretida. Mas a represa não aguentou. Hoje, apenas as bordas dessa formação são visíveis, os Penhascos Brancos de Dover são um exemplo disso. Mas os geólogos ainda não sabiam se essa represa se dissolveu aos poucos, resultado de uma erosão gradual, ou de uma vez só.

Grande enchente

De acordo com as novas descobertas, dois cataclismas foram responsáveis pela destruição da represa. Primeiro, várias cachoeiras se formaram por cima dessa faixa, enfraquecendo a estrutura de pedra. Então, cerca de 200 mil anos atrás, uma grande enchente explodiu pela praia, separando completamente a ilha do continente.

Cientistas fizeram muitas hipóteses sobre a existência de cachoeiras antigas e destrutivas, mas a evidência disso era limitada. “Essa teoria foi proposta nos anos 80”, afirma Collier. “Mas saiu de vista sem que ninguém levasse a sério”.

Os autores desse novo estudo apontam para uma evidência chave a favor das quedas de água: uma fileira de buracos grandes no leito de rocha abaixo do Canal da Mancha, logo ao lado de onde estava a represa. Os buracos, de cerca de 140 metros de profundidade, foram descobertos entre as décadas de 60 e 70 (essas descobertas aconteceram durante a fase de planejamento da construção de um túnel entre Inglaterra e França. Os engenheiros tiveram que cavar ao redor dessas depressões).

Para ter uma ideia melhor das características desses buracos, cientistas uniram dados topográficos antigos com novas tecnologias de imagem. Essas grandes cicatrizes pareceram ser o produto de uma violência geológica muito maior do que a esperada. “Não estamos no Himalaia, estamos no sul da Grã Bretanha, onde tudo é muito calmo”, explica Collier. Os cientistas então determinaram que os escultores mais prováveis eram cachoeiras — grandes quedas de água que, na escala das Cataratas do Niágara, mergulharam por cima dessa cordilheira e marcaram o leito de rocha.

Esses buracos estão “exatamente nos lugares” de onde a água poderia ter transbordado por cima da represa, segundo Collier. As quedas de água também foram responsáveis por danificar a represa. Uma parte dela foi destruída, liberando um grande volume de água glacial.

Brexit 1.0

As novas imagens do fundo do mar também apoiam a teoria que uma enchente teria passado por ali. Os cientistas encontraram um sistema de vales mais recentes no Estreito de Dover que coincidem com um evento que aconteceu 200 mil anos depois das grandes cachoeiras. Ainda que as evidências para a segunda enchente sejam “mais hipotéticos”, segundo Collier, já existem provas que apoiam esse evento. Há cerca de 160 mil anos, quando Collier e seus colegas estimam que essa enchente teria acontecido, a população humana que vivia na área sofreu um grande choque.

A enchente teria sido um grande nocaute, destruindo completamente a formação rochosa que existia até então. Um cataclisma assim mudaria a história da humanidade, disseram os cientistas. “Esse foi o Brexit 1.0 — um Brexit para o qual ninguém votou”, disse Sanjeev Gupta, co-autor da pesquisa e também professor da Imperial College London. “Sem essa separação dramática, a Grã Bretanha ainda faria parte da Europa”.

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