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Trump: viciado em elogios e bajulação | Jabin Botsford/The Washington Post
Trump: viciado em elogios e bajulação| Foto: Jabin Botsford/The Washington Post

Por que Donald Trump exibe comportamentos perigosos e aparentemente autodestrutivos? 

Três décadas atrás, passei quase um ano na companhia de Trump para escrever seu primeiro livro, “The Art of the Deal”, e acabei por conhecê-lo bem. Passei centenas de horas ouvindo-o, assistindo a ele em ação e entrevistando-o sobre sua vida. Nada do que ele vem dizendo e fazendo como presidente nos últimos quatro meses me surpreendeu. O modo como ele agiu na última semana — demitindo o diretor do FBI, James Comey, sabotando seus próprios assessores quando tentaram explicar sua decisão e depois revelando informações sigilosas a representantes da Rússia —, tudo isso também é inteiramente previsível.

Reconheci desde o começo que o senso de valor próprio de Trump está eternamente em risco. Quando ele se sente ofendido ou lesado, reage de modo impulsivo e defensivo, construindo uma narrativa autojustificativa que independe dos fatos e sempre direciona a culpa aos outros. 

O Trump que conheci em 1985 tinha passado quase toda a vida em “modo sobrevivência”. Segundo seu próprio relato, seu pai, Fred, era implacavelmente exigente, intratável e ambicioso. Em “The Art of the Deal”, expressei nos seguintes termos o que Trump me transmitiu: “Meu pai é um homem maravilhoso, mas é também sobretudo um homem de negócios, forte e durão”.

Na visão de Trump, seu irmão mais velho, Fred Jr., que se tornou alcoólatra e morreu aos 42 anos, foi subjugado por seu pai. Ou, como coloquei eufemisticamente no livro: “Houve confrontos entre eles. Na maioria das vezes, Freddy saiu perdendo.” 

Guerra contra o mundo

A visão de mundo de Trump foi profunda moldada por seu pai e marcada pela autoproteção. “Senti atração pelos negócios desde muito jovem e nunca me senti intimidado por meu pai, como acontecia com a maioria das pessoas”, foi como escrevi no livro. “Eu encarava o meu pai de frente, e ele respeitava isso. Tínhamos um relacionamento quase profissional.” 

Baseado em nossas conversas, concluí que Trump se sentiu forçado a travar guerra contra o mundo. Para ele, era uma opção binária, de tudo ou nada: ou você dominava ou era subjugado. Ou você provocava e explorava o medo, ou sucumbia a ele — como ele achava que acontecera com seu irmão mais velho. Essa visão de mundo restrita e defensiva se formou desde que ele era muito jovem e nunca evoluiu. “Quando olho para mim mesmo hoje e olho para mim na primeira série”, Trump disse a um biógrafo recente, “estou basicamente igual.” Seu desenvolvimento parou, essencialmente, na infância. 

Em vez disso, Trump cresceu lutando para sobreviver e não fazendo prisioneiros. Em inúmeras conversas ele deixou claro para mim que tratava cada encontro como uma disputa na qual ele tinha que vencer, porque, da perspectiva dele, a única outra opção seria que ele perdesse, e isso seria o equivalente à anulação. Muitos dos negócios descritos em “The Art of the Deal” foram fracassos monumentais — entre eles os cassinos de Tump e o lançamento de uma liga que supostamente rivalizaria com a National Football League —, mas Trump me fez descrever cada um deles como um sucesso tremendo. 

Com orgulho evidente, ele me explicou que foi um garoto “assertivo, agressivo” desde muito pequeno e que certa vez deu um soco no olho de um professor de música e quase foi expulso da escola primária por isso. 

Sem culpa ou remorso

Como saber se essa história e tantas outras contadas sobre Trump são verídicas? O que fica claro é que ele passou sua vida procurando dominar outras pessoas a qualquer custo. Em “The Art of the Deal” ele descreve como é competir no mundo dos negócios imobiliários em Nova York, demonstrando prazer agressivo na disputa: “São algumas das pessoas mais duronas e briguentas do mundo. Acontece que eu adoro enfrentar e derrotar essa gente.”

Nunca percebi em Trump nenhum sentimento de culpa ou remorso por qualquer coisa que ele tivesse feito, e ele nunca falou publicamente de ter sentido qualquer dúvida sobre algo que tivesse feito. Ao seu ver, ele operava numa selva cheia de predadores que estavam eternamente tentando pegá-lo. Ele fazia o que era necessário para sobreviver. 

Trump deixou igualmente claro para mim que não valorizava — nem sequer reconhecia necessariamente — as qualidades que tendem a emergir quando as pessoas se sentem mais seguras, como empatia, generosidade, reflexividade, a capacidade de adiar a gratificação ou, sobretudo, a consciência, um senso inato do que é certo ou errado. Trump simplesmente não se interessava pelas emoções ou pelos interesses de outros. A vida que vivia era transacional, o tempo inteiro. Nunca tendo ampliado seu universo emocional, intelectual ou moral, ele tem sua versão da história pronta e se aferra a ela. 

Buraco negro

Uma parte crucial dessa história é que os fatos são aquilo que Trump considera que são em qualquer momento. Quando ele é contestado, instintivamente reitera sua posição, mesmo que aquilo que acabou de falar seja demonstravelmente falso. Vi isso acontecer inúmeras vezes, quer fosse algo tão trivial quanto exagerar o número de pisos do edifício Trump Tower ou tão importante quanto me dizer que seus cassinos estavam tendo bom desempenho quando, na realidade, estavam falindo.

Do mesmo modo, Trump não vê contradição alguma em mudar sua explicação do porquê de ter demitido Comey, em desmentir as explicações dadas por seus assessores ou reiterar qualquer outra mentira que conta. Seu objetivo nunca é fazer um relato preciso: é dominar. 

Trump deriva seu senso de valor próprio de suas conquistas e realizações. “Você acredita, Tony?”, ele dizia frequentemente ao iniciar uma conversa noturna comigo, e então passava a descrever algum exemplo novo de sua própria esperteza. Mas a reafirmação de seu próprio valor que sentia mesmo com suas maiores realizações sempre era efêmera e instável — e parece que isso se aplica também ao fato de ter sido eleito presidente.

À primeira vista, dir-se-ia que Trump agora tem mais oportunidades que nunca de se sentir importante e achar que realizou mais que praticamente qualquer outro ser humano do planeta. Mas é como dizer que um viciado em heroína tem seu problema sob controle a partir do momento em que tem acesso livre e contínuo à droga. Hoje Trump tem um palco muito maior e mais público no qual pode fracassar e sentir-se indigno de admiração. 

Qualquer dependência segue um rumo previsível: o dependente continua a buscar o prazer proporcionado pela droga, usando quantidades cada vez maiores, em um esforço vão de recriar o estado almejado. Desde a primeira vez que o entrevistei, em 1985, em sua sala de trabalho no edifício Trump Tower, a imagem que tive de Trump foi de um buraco negro. Tudo que entra no buraco desaparece rapidamente sem deixar rastro. Nada é o bastante para preencher o vazio. Nunca se sabe quando alguém ou alguma coisa vai derrubar Trump de seu equilíbrio precário – quando ele se sentirá ameaçado e cederá à compulsão avassaladora de restaurar seu equilíbrio. Por baixo de sua fachada tosca e assertiva, sempre senti que existia um garotinho magoado e incrivelmente vulnerável que só queria ser amado. 

Necessidade de elogios

O que Trump almeja mais profundamente é a adulação que sempre foi tão passageira. Isso ajuda em muito a explicar sua necessidade de exercer controle e a razão porque ele simplesmente não aturava Comey, que teria se recusado a prometer lealdade a Trump, como este teria exigido, e cuja investigação contínua da interferência russa na campanha eleitoral do ano passado ameaçava jogar sua presidência por terra. A necessidade que Trump sente de ser elogiado e bajulado sem questionamentos também ajuda a explicar sua hostilidade em relação à democracia e à imprensa livre, ambas as quais se fortalecem com a liberdade de dissensão. 

Como testemunhamos inúmeras vezes durante a campanha e desde a eleição, Trump é capaz de reverter ao “modo de sobrevivência” a qualquer momento. Basta olhar para os milhares de tuites que escreveu nos últimos 12 meses atacando todos que vê como sendo seus inimigos.

Em termos neuroquímicos, sempre que se sente ameaçado ou frustrado Trump exibe a reação de lutar ou fugir. Sua amígdala cerebral é acionada, seu eixo hipotalâmico-adrenal-pituitário é ativado e seu córtex pré-frontal (a parte do cérebro que nos torna capazes de raciocinar e refletir) empaca. Ele reage em lugar de refletir, e que se danem as consequências. É isso que torna tão perigoso e assustador o fato de ele ter acesso aos códigos nucleares.

Clima de paranoia

O Trump que conheci não tinha posições ideológicas profundas nem sentimentos acalorados em relação a qualquer coisa a não ser seus próprios interesses imediatos. 

Na última semana, diante de críticas vindas de praticamente todos os lados, o sentimento de desconfiança de Trump vem se multiplicando de modo quase palpável. Recomendação alguma de seus assessores teria qualquer chance de restringi-lo quando ele se sente tão profundamente mobilizado. Quanto mais ele se sente à mercê de forças que não controla — e é isso o que ele certamente deve estar sentindo agora —, mais ressentido, desesperado e impulsivo ele fica. 

Mesmo agora, 30 anos depois, me recordo vividamente do clima funesto que se formava sempre que Trump se aborrecia com alguma coisa que tivesse interpretado como desfeita. Todo o mundo que o cercava sabia que nesses momentos o melhor a fazer era manter distância dele, ou, se isso não fosse possível, não discordar dele de nenhuma maneira. 

Nas centenas de telefonemas de Trump que eu ouvi com a concordância dele e nas dúzias de reuniões às quais o acompanhei, não me lembro de ninguém jamais ter discordado dele em relação a qualquer coisa. O mesmo clima de medo de paranoia parece ter tomado conta da Casa Branca. 

“Tenha uma boa vida”

A última vez em que falei com Trump – pela primeira vez em quase três décadas – foi no dia 14 de julho de 2016, pouco depois de a “New Yorker” ter publicado um artigo de Jane Meyer sobre minha experiência ao escrever “The Art of the Deal”. Trump estava prestes a ser nomeado o candidato presidencial do Partido Republicano. Eu estava no meu carro, dirigindo, quando meu celular tocou. Era Trump. Ele tinha acabado de falar ao telefone com um jornalista que checa a veracidade de fatos para a revista, e não mediu suas palavras. 

“Só quero lhe dizer que acho você muito desleal”, ele começou por dizer. Depois passou alguns minutos me criticando e ameaçando. Retruquei, gentilmente mas com firmeza. E então, de repente, tão abruptamente quanto iniciara a ligação, ele a concluiu. “Tenha uma boa vida”, ele disse, e desligou. 

*Tony Schwartz é executivo-chefe do Energy Project, que ajuda empresas a fazer uso melhor do talento das pessoas, atendendo melhor às suas necessidades fundamentais para que elas possam apresentar um desempenho mais sustentável. Seu livro mais recente é "The Way We're Working Isn't Working".

Tradução de Clara Allain
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