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“Gostaria de avisar a vocês que a apresentação chegou à metade. Sendo assim, quem pagou meia já pode sair...”. A piada faz parte do repertório do humorista Cláudio Torres Gonzaga e costuma ser usada em seus espetáculos de stand-up. Se fosse levada a sério pela plateia, corria o risco de o teatro ficar vazio. Ou quase.

Os beneficiários da meia-entrada (Lei 12.933/2013) podem ser divididos em três grupos: estudantes, pessoas com deficiência e jovens de 15 a 29 anos, pertencentes a famílias de baixa renda. Tem mais alguém? Sim, os idosos. Maiores de 60 anos têm esse direito garantido pelo Estatuto do Idoso.

Acabou?

Ainda não!

Alguns estados e municípios estenderam o benefício a outras categorias. Exemplos não faltam: policiais, jornalistas, menores de 18 anos, professores da rede pública e particular, doadores regulares de sangue e de medula óssea, portadores de doenças crônicas e graves, etc. 

“A lei da meia-entrada é uma interferência do poder público numa atividade privada”, critica a produtora de cinema e teatro Bianca De Felippes, da Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro (APTR). “Para ser justa, deveria dar uma contrapartida pelo desconto arbitrado, como reduzir impostos, por exemplo”.

É o típico caso de fazer caridade com chapéu alheio. A meia-entrada não é subsidiada pelo governo. Quem arca com esses custos são os produtores de teatro e os exibidores de cinema. Melhor dizendo: quem paga essa conta são os espectadores que desembolsam o valor integral do ingresso para assistir a uma peça de teatro ou uma sessão de cinema. “Quem paga a inteira ‘subsidia’ quem paga meia. É uma conta matemática. Os preços sobem à medida que o valor médio do ingresso diminui”, afirma Bianca. 

Na prática, a teoria é outra! 

Para entender como funciona a matemática da meia-entrada, o pesquisador Carlos Martinelli, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), saiu a campo: conversou com empresários do setor, estudou a legislação da meia-entrada e fez as contas na ponta do lápis. A que conclusão ele chegou?

Simples: não existe meia-entrada no Brasil.

Pelo menos, não na prática.

O que existe é: quem paga meia, na verdade, paga quase inteira. E a conta sobra para quem paga inteira, que acaba pagando quase o dobro. Martinelli dá um exemplo: se o preço normal de um show – onde o percentual de meia-entrada costuma chegar a 75% – é de R$ 100, o promotor do evento sobe o preço para R$ 160, de modo que a meia-entrada custe R$ 80. Na prova dos nove, representa um desconto efetivo de apenas 20%.

“Se não houvesse a meia-entrada, me arrisco a dizer que haveria uma chance real de o preço dos ingressos cair pela metade. Ou próximo disso”, calcula Martinelli. 

No exemplo acima, o percentual de meia-entrada foi de 75%. Em alguns casos, porém, a expectativa de beneficiários que devem comparecer a um evento, como um show de rock ou um festival de música, costuma chegar a 90%. Ou seja, a cada 10 ingressos vendidos, nove são pela metade do preço.

Neste caso, o que os produtores fazem?

Simplesmente dobram o valor do tíquete médio e oferecem uma espécie de “meia-entrada para todos”, totalmente ilusória, a membros de fã-clubes, usuários de telefonia móvel, doadores de um quilo de alimento não perecível e por aí vai. “Volto a dizer: se não houvesse a concessão obrigatória da meia-entrada, é provável que esses promotores estivessem cobrando metade do valor cobrado hoje”, insiste Martinelli.

A pesquisa de Carlos Martinelli faz parte do estudo O impacto da meia-entrada na precificação dos ingressos e no planejamento estratégico de companhias de entretenimento, apresentado em 2013, quando a lei da meia-entrada foi criada.

De lá para cá, pouca coisa mudou.

O Estatuto da Juventude, que começou a vigorar em 2014, restringiu o direito à meia-entrada para 40% do total de ingressos. E mais: para evitar fraudes e falsificações, limitou a emissão da Carteira de Identificação Estudantil (CIE) a poucas entidades, como União Nacional dos Estudantes (UNE), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG).

Desde 2001, qualquer instituição de ensino, até cursinhos de idiomas, podia emitir “carteirinha de estudante”. “O benefício da meia-entrada é uma vantagem econômica que deve ser dada a quem realmente precisa dela”, salienta Gabriel Paiva, presidente da Associação dos Produtores Teatrais Independentes (APTI). “Muitos idosos vão ao teatro comprar meia-entrada de motorista particular”. 

Quem paga a conta? 

Os especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo não têm uma solução unânime para a questão. Bianca De Felippes, da APTR, propõe a concessão do direito por idade, como já acontece em outros países. No caso dos estudantes, 24 anos. No caso dos idosos, 65. “Supõe-se que, em grande parte, o jovem já trabalhe a partir dessa idade”, justifica.

Gabriel Paiva, da APTI, critica o alto índice de fraudes das “carteirinhas de estudante”. Segundo ele, a meia-entrada deixou de ser uma política de formação de público para se tornar uma lucrativa fonte de recurso para quem emite carteirinha.

“No país do privilégio, a carteirinha é mais uma ‘carteirada’. E quem sai perdendo? É o cidadão comum, que não pertence a nenhum grupo de beneficiários”, alerta.

Caio Silva, diretor-executivo da Associação Brasileira das Empresas Exibidoras Cinematográficas Operadoras de Multiplex (Abraplex), volta a bater na tecla da “contrapartida”. “Os exibidores não se opõem a nenhum tipo de desconto compulsório, desde que acompanhado da respectiva compensação tributária ou de outra natureza”, afirma. “Com uma legislação justa e correta, não posso afirmar que haveria redução no preço dos ingressos, mas, certamente, haveria menos reajustes”, arremata. 

Nossas convicções:

Os responsáveis pelo bem comum

As empresas, sua finalidade e o bem comum

A finalidade do Estado e do governo

Os limites da ação do Estado

Livre iniciativa

O curioso é que a lei da meia-entrada consegue, digamos, desagradar até quem se beneficia dela. É o caso de Pedro Gorki, presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes). Na opinião dele, a legislação não precisa de mudanças, mas, sim, de fiscalização. “O que queremos é acesso a bens culturais e preço baixo. Afinal, a formação cidadã vai muito além da sala de aula. Mas, não adianta existir a meia-entrada e o valor do ingresso continuar tendo um custo alto para o estudante”, protesta o dirigente estudantil.

É, no fim das contas, o poeta Paulo Leminski tinha razão: “Para que cara feia? Na vida, ninguém paga meia”.

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