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Alunos da Universidade George Mason , nos Estados Unidos, têm aula de alfabetização em mídia, para aprender a lidar mais criticamente com as informações que consomem. | Pete Marovich/The Washington Post
Alunos da Universidade George Mason , nos Estados Unidos, têm aula de alfabetização em mídia, para aprender a lidar mais criticamente com as informações que consomem.| Foto: Pete Marovich/The Washington Post

Em uma terça-feira excepcionalmente quente para fevereiro, estudantes se acomodam em uma sala de aula da Universidade George Mason em Fairfax, Virgínia, para a aula de Comunicação 203. A professora Beth Jannery, diretora do programa de jornalismo da instituição, pergunta aos estudantes a respeito de eventos atuais que eles estavam acompanhando. O que eles pesquisaram a respeito das histórias sobre as quais tinham lido, assistido ou ouvido? Que histórias pareciam mais precisas e equilibradas? Que histórias poderiam tê-los levado a conclusões equivocadas ou omitido informações importantes?

Tisha Herrera, uma aluna do segundo ano sentada no fundo da sala, levanta sua mão e diz que viu um artigo na internet sobre o assassinato do presidente Donald Trump. Incluía uma foto de um assassino sendo preso com uma faca. Mas quando Herrera procurou por outras fontes para confirmar a história, ela diz, se deu conta de que tinha sido enganada por “notícias” ficcionalizadas.

Estudantes acenam e murmuram em resposta. Dineo Moja, um estudante do terceiro ano, menciona a entrevista para a televisão em que Kellyanne Conway, assessora do presidente, se referiu a um massacre que nunca aconteceu e depois disse que tinha se confundido. Isso, diz Moja, a fez imaginar se a escolha de palavras de Conway durante a entrevista tinha sido um erro ou uma tentativa deliberada de espalhar informações falsas.

Alfabetização em mídia

Notícias falsas existiram por muitos anos antes da corrida presidencial de 2016, nas quais falsidades e teorias da conspiração desempenharam papeis importantes. Mas “essa eleição disparou os alarmes”, diz Howard Schneider, diretor executivo do Centro de Alfabetização em Notícias da Universidade de Stony Brook.

Como resultado, ele diz, houve uma retomada do interesse em lecionar alfabetização em mídia nas universidades. Professores entrevistados para essa história estão ensinando estudantes não apenas a identificar “notícias falsas” (uma etiqueta anteriormente reservada para boatos de internet), mas a detectar notícias enviesadas, a ausência de pontos de vista, inclinações tendenciosas e influências econômicas. “Ensinamos todos a ler depois que inventamos a prensa”, diz . “E agora precisamos ensinar a todos essas habilidades de verificação das informações.”

O maior perigo para estudantes universitários e mesmo para estudantes fora da universidade não é que venham a ser enganados por notícias falsas, mas que estejam começando a duvidar das notícias reais.

Howard diretor executivo do Centro de Alfabetização em Notícias da Universidade de Stony Brook

Mas, ele acrescenta, enquanto estudantes universitários deveriam ser céticos, críticos e curiosos quando se trata de notícias, não deveriam ter uma atitude de desprezo.

“O maior perigo para estudantes universitários e mesmo para estudantes fora da universidade”, ele diz, “não é que venham a ser enganados por notícias falsas, mas que estejam começando a duvidar das notícias reais.”

De acordo com Julie Smith, autora de “Master the Media: How Teaching Media Literacy Can Save Our Plugged-In World” (domine a mídia: como lecionar alfabetização em mídia pode salvar nosso mundo conectado, em tradução livre) e professora adjunta na Universidade Webster, perto de St. Louis, aprender a discernir o que é substancial, equilibrado e preciso nesse mundo cheio de fluxos constantes de informação é uma habilidade de sobrevivência no século XXI para estudantes universitários. [Ver dicas abaixo.]

“A informação afeta nossas visões de mundo e como vemos uns aos outros”, diz Smith. “Temos de ser capazes de distinguir o que é válido e o que não é ou estamos perdidos.”

Um estudo de 2016 da Faculdade de Educação de Stanford conclui que, ainda que os jovens de hoje possam ser a primeira geração de nativos digitais, têm dificuldade em diferenciar entre notícias reais e falsas.

“Eles podem usar tecnologia digital, mas têm péssimas habilidades para julgar qual informação é confiável e qual não é”, diz . “E isso está ficando cada vez mais perigoso.”

Alguns professores universitários dizem que os estereótipos de millennials como preguiçosos ou sem disposição para buscar informações são injustos. Smith diz que millennials não são os únicos acessando as notícias por meio de redes sociais e que consumidores de mídia mais velhos também são culpados de acreditar ou compartilhar histórias sem verificá-las devidamente.

Essa época de notícias falsas em que estamos vivendo agora é somente a última encarnação do nosso medo do ambiente digital enquanto uma cultura

Katherine Fry professora de estudos de mídia e diretora do Departamento de Rádio e Televisão do Brooklyn College

Katherine Fry, professora de estudos de mídia e diretora do Departamento de Rádio e Televisão do Brooklyn College, acredita que o uso dos millennials como bodes expiatórios relaciona-se à ansiedade cultural que acompanha a mudança.

“Essa época de notícias falsas em que estamos vivendo agora é somente a última encarnação do nosso medo do ambiente digital enquanto uma cultura”, ela diz. “Não é justo apontarmos para os jovens quando é algo a respeito do que todos deveríamos estar preocupados e conscientes. É muito mais complicado do que a maioria das pessoas pensa.”

Na Universidade George Mason, Jannery encoraja seus alunos a “checarem os fatos, desmentirem falsidades e questionarem tudo”, ela diz. De outra forma, ela diz, eles tendem a depender dos feeds de notícias em seus smartphones por informação, raramente questionando o conteúdo e confiando no Google como “uma grande agência para informações confiáveis.”

“Eu os desafio”, diz Jannery, “e eles ficam desconfortáveis, e ficam acesos.”

Triangulação

Uma lição que os alunos aprendem no Brooklyn College é de que é perigoso enxergar as notícias como apenas “reais” ou “falsas”, porque isso dispõe os consumidores a acreditar que tudo que não seja notícia falsa é completamente objetivo. Para demonstrar que o termo “notícias falsas” pode nem mesmo fazer sentido, Fry e um grupo de colegas organizaram em março um evento em formato de game show baseado no programa “Wait Wait... Don’t Tell Me!” (espere, espere, não me diga, em tradução livre) da Rádio Pública Nacional.

Estudantes, professores e funcionários se reuniram no auditório Woody Tanger da instituição para votar em quais notícias dentre uma seleção eram “falsas”. Em alguns casos, a “notícia” era mais obviamente suspeita – como uma história do começo de março na internet afirmando que a Alemanha estava alertando seus cidadãos a não viajarem para a Suécia por causa de uma ameaça de ataque terrorista em fevereiro. Em outros exemplos, como várias histórias de grandes organizações jornalísticas que continham apenas informações parciais, talvez todas poderiam ser consideradas “falsas”.

Digo aos meus alunos que é importante tentar ser objetivo e equilibrado, mas é realmente importante que reconheçamos que ninguém realmente é

Jeff Share  professor na Universidade da Califórnia em Los Angeles

A ideia por trás do jogo, diz Fry, é usar cada notícia como um ponto de partida para encorajar estudantes e fazer um maior escrutínio da mídia que consomem.

Em sua sala de aula na Universidade da Califórnia em Los Angeles essa primavera, Jeff Share ensina seus alunos – todos atuais ou futuros professores do programa de educação da universidade – a aplicar o conceito de triangulação às notícias ao buscar diversas fontes e pontos de vista para chegar o mais perto possível da verdade.

Share, um ex-fotógrafo e professor que passou quase 20 anos lecionando alfabetização em mídia, cita o exemplo das mudanças climáticas. “Há pessoas por aí que dizem que as mudanças climáticas são falsas ou não causadas por humanos”, ele diz. “Mas, se você triangular os dados de múltiplas fontes, você rapidamente se dá conta de que a maioria dos cientistas – no governo e ao redor do mundo – estão dizendo que as mudanças climáticas são bem reais e os seres humanos estão contribuindo para elas. A noção de negar as mudanças climáticas é algo realmente muito ignorante que mostra que você não pesquisou outras fontes.”

Para explorar viés e objetividade ainda mais, os alunos de Share fazem um experimento na sala de aula com fotografia, tirando fotos de diferentes posições para observar como as mudanças nos ângulos – ou na iluminação, composição e outras técnicas fotográficas – podem alterar uma imagem. Conforme os alunos começam a reconhecer o potencial para viés em fotografias, aprendem a ler imagens mais criticamente.

“Enquanto humanos, somos subjetivos. Não podemos evitar”, diz Share. “Digo aos meus alunos que é importante tentar ser objetivo e equilibrado, mas é realmente importante que reconheçamos que ninguém realmente é.”

Globos oculares à venda

No inverno, Smith, da Universidade Webster, teve uma sensação de urgência conforme se planejava para o semestre seguinte. Ela geralmente gasta duas semanas se concentrando em notícias em seu curso sobre alfabetização em mídia de 16 semanas, o qual encoraja o pensamento crítico a respeito da mídia de massa e de como ela funciona. Mas esse semestre ela vai gastar oito semanas em alfabetização em notícias. Um exercício em sala de aula envolve discriminar entre posts no Twitter – tanto tuítes de usuários certificados que contêm notícias inventadas quanto tuítes de araque publicados por impostores.

“Muitas vezes um aluno diz: ‘realmente quero que isso seja verdade, mas sei que não é.’” diz Smith. “O que é importante é que eles reconheçam que trazem seus próprios vieses e estejam dispostos a aprender a deixá-los de lado e checar as fontes.”

“Nossos globos oculares são os produtos sendo vendidos.”

Julie Smith autora de “Master the Media: How Teaching Media Literacy Can Save Our Plugged-In World”

Smith também encarrega seus alunos de criar notícias falsas. A ideia é de que uma vez que tenham confeccionado uma peça como essa, diz ela, nunca vão consumir algo como ela da mesma maneira.

Rastrear quem sãos os proprietários de fontes de mídia ensina outra lição importante. Smith atribui a cada um dos 60 alunos do curso uma fonte de mídia – tais como HBO, CNN ou a revista People – e pede que eles pesquisem a qual empresa pertencem. Quando os alunos se dão conta de que ela os encarregou de fontes de notícias que pertencem todas à mesma empresa (nesse caso, Time Warner), um momento “ahá” acontece e os alunos se dão conta de que nenhuma mídia é livre, diz ela: “nossos globos oculares são os produtos sendo vendidos.”

Fry diz que entender essa “economia secreta da mídia” é especialmente importante para estudantes universitários, que consideram redes sociais como Twitter, Facebook, Instagram e Snapchat como divorciados de fatores econômicos.

Consumo crítico

Desde as eleições de 2016, Fry tem encorajado seus alunos a imaginar uma definição sofisticada de notícia, uma que reflita como consumidores afetam a circulação de informação em redes sociais comandadas por algoritmos nas quais cliques significam renda para quem está publicando.

Ela também ressalta que essa nova forma de distribuição, nas quais comentários, “curtidas” e compartilhamentos resultam na exposição maior de algumas histórias, mudou a política e a comunicação política. “No mundo da mídia eletrônica e especialmente da mídia digital, respostas emocionais e a imediatez são muito importantes”, diz Fry.

Educação de verdade começa com uma combinação de provisão e perturbação.

Kerric Harveydiretor de estudos cinematográficos da Universidade George Washington

O diretor de estudos cinematográficos da Universidade George Washington, Kerric Harvey, diz que ela e muitos de seus colegas estão acrescentando um foco no consumo crítico de mídia para todos os assuntos que ensinam.

Harvey exibiu filmes de Hollywood para seus alunos, inclusive “Códigos de Guerra” e “O Último dos Moicanos”, para destacar como americanos caracterizam a si mesmos no cinema. Isso é “crescentemente importante em termos de entender como o mundo nos vê e como nós vemos a nós mesmos”, ela diz.

No final do semestre, Harvey vai exibir para os alunos filmes feitos no Oriente Médio, na Europa e nas Américas Central e do Sul e pedir para que analisem como aqueles de fora dos Estados Unidos retratam os americanos.

“Esse é o melhor tipo de desconforto, porque educação de verdade começa com uma combinação de provisão e perturbação.”

Como ser um melhor consumidor de notícias

As ações seguintes, coletadas entre especialistas no campo de alfabetização em mídia e em notícias, podem ajudá-lo a detectar notícias falsas, imprecisas ou enviesadas:

- Esforce-se para confirmar se o que você está lendo, assistindo ou ouvindo é notícia ou opinião.

- Investigue a autoridade do autor ou do responsável pela publicação do que você está lendo. Qual era a intenção deles? Quem lucrou com a publicação da informação? Quem foi beneficiado? Se for na internet, é uma fonte legítima de notícias?

- Confira outras fontes para confirmar a precisão do conteúdo e acompanhar a história ao longo do tempo.

- Pense a respeito de quais informações ou pontos de vista podem ter sido deixados de fora.

- Preste atenção em técnicas criativas cujo propósito é chamar sua atenção.

- Busque pontos de vista contrários e seja aberto a informações que desafiam seus próprios vieses.

CRAAP

Bibliotecárias das universidades também estão trabalhando duro nesse tema. Julie Todaro, presidente da Associação Americana de Bibliotecas e diretora dos serviços de biblioteca da Faculdade Comunitária Austin no Texas, diz que recebeu seu primeiro telefonema sobre “notícias falsas” em setembro de uma colega bibliotecária pedindo orientação para lidar com o problema.

Ao longo dos últimos meses, os professores de biblioteconomia da instituição de sua colega renovaram ferramentas tais como o teste CRAAP, um sistema de avaliação de fonte e informação desenvolvido por bibliotecários da Universidade Estadual da Califórnia em Chico cuja sigla em inglês significa circulação, relevância, autoridade, precisão e propósito.

“Invertemos a mensagem”, diz Todaro. Em vez de começar olhando para quão recente é a informação, bibliotecários dizem para os estudantes que o melhor lugar para começar a avaliar uma notícia é investigar a autoridade do autor ou de quem a publicou. “Foi algo publicado pelo site Político ou de um site ou blog pessoal sobre a eleição? Foi publicado pelo Washington Post ou foi um post individual no Facebook?” A segunda coisa mais importante atualmente, diz ela, é investigar a precisão.

É nossa responsabilidade como consumidores de mídia pesquisar mais a fundo e nos mantermos informados

Dineo Moja estudante

Na Universidade de Georgetown, a Biblioteca Memorial Joseph Mark Lauinger desenvolveu orientações para ajudar estudantes a identificar notícias falsas. Estudantes também foram colocados para trabalhar ajudando a biblioteca a preservar dados científicos disponíveis na internet. “O ponto é fazer o download e preservar dados científicos de sites do governo para que o material seja protegido a despeito de mudanças na política”, diz Ryan Johnson, o diretor de coleções, pesquisa e instrução da biblioteca. Os dados subjacentes precisam ser protegidos, ele diz, mas também fornecem um exercício para ajudar os estudantes a entender como a informação é apresentada e a importância de preservá-la.

Na American University, bibliotecários estão aumentando seu envolvimento em eventos no campus, tais como um recente painel sobre alfabetização em mídia. Eles também estão construindo ferramentas online para ensinar habilidades de alfabetização em mídia e tópicos específicos tais como interpretação de notícias sobre ciência e ética na mídia.

Cidadãos informados

Quando uma passeata contra o primeiro veto a imigrantes de Trump emergiu no campus em fevereiro, Jannery cancelou sua aula e instruiu seus alunos de Comunicação 203 a entregar uma reportagem de 500 palavras sobre o evento. “Ela nos disse para assegurar que conversássemos não apenas com aqueles que se opunham ao veto, mas com qualquer um que pudesse ser a favor”, diz a caloura Keirsten Robinson.

“Em vez de sentar na sala de aula, tivemos a oportunidade de ir lá fora e praticar habilidades jornalísticas, como reportagem de campo”, diz Moja. A experiência a deixou mais consciente do poder que um jornalista tem de apresentar a história de uma maneira ou de outra ao escolher quais informações ou falas vão parar no texto final.

Estou convencido de que a verdadeira solução é que aqueles com 12 anos nos Estados Unidos sejam inoculados contra notícias falsas

Howard Schneider diretor executivo do Centro de Alfabetização em Notícias da Universidade de Stony Brook

Moja diz que sua geração tem as ferramentas e a inteligência para serem cidadãos informados que exigem a verdade. “É nossa responsabilidade como consumidores de mídia pesquisar mais a fundo e nos mantermos informados.”

imagina, contudo, se não é tarde demais para aprender. Quando os estudantes chegam aos 18 ou 19 anos, ele diz, podem já ter desenvolvido ligações afetivas e ideologias que os tornam vulneráveis a adotar a posição de não aceitar informações que desafiem seus próprios sistemas de crenças no que ele chama de “um tsunami de informação e desinformação.”

“Não tenho certeza de que ensinar estudantes universitários é a solução”, ele diz. “Agora provavelmente mais do que nunca estou convencido de que a verdadeira solução é que aqueles com 12 anos nos Estados Unidos sejam inoculados contra notícias falsas. Todo aquele com 12 anos precisa ser alfabetizado em notícias. Isso deveria ser um mantra para nosso país.”

Mais recursos

- Centro de Alfabetização de Mídia da Faculdade de Jornalismo de Universidade de Stony Brook: centerfornewsliteracy.org

- Projeto Alfabetização em Notícias: thenewsliteracyproject.org

- Associação Nacional para Ensino de Alfabetização em Mídia: namle.net

- Coalização para Ação em Educação de Mídia: acmecoalition.org

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