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Cidade histórica de  Palmyra, na Síria, em 2007 | NOUR FOURAT/REUTERS
Cidade histórica de Palmyra, na Síria, em 2007| Foto: NOUR FOURAT/REUTERS

O renomado arqueólogo da cidade de Palmyra decapitado pelo Estado Islâmico, que teve seu corpo exposto em praça pública, pendurado em uma pilastra do museu local, teria sido morto depois de se recusar a revelar onde valiosas relíquias estariam escondidas.

O assassinato brutal de Khaled al-Asaad, de 82 anos, é uma das “menores” atrocidades cometidas pelo grupo jihadista, que já controla um terço da Síria e do vizinho Iraque e declarou um califado no território. O evento também aponta para a tendência do grupo de se apossar e vender antiguidades para financiar suas atividades — bem como destruí-las. O chefe de antiguidades da Síria, Maamoun Abdulkarim, disse que a família de Asaad o informou nesta terça-feira sobre os detalhes do assassinato do colega, que trabalhou por mais de 50 anos como chefe de antiguidades de Palmyra.

Asaad foi mantido refém por mais de um mês, antes de ser assassinado. Chris Doyle, diretor do Conselho de Entendimento Arábico-Britânico, afirmou que uma fonte síria o informara que o arqueólogo havia sido interrogado pelo EI sobre a localização dos tesouros de Palmyra e executado quando se recusou a cooperar.

Estado Islâmico decapita arqueólogo e pendura corpo em praça de cidade síria

O Estado Islâmico, cujos insurgentes controlam faixas da Síria e do Iraque, capturaram Palmyra, na região central da Síria, das forças do governo em maio

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A cidade foi tomada pelos militantes em maio, mas ainda não se tem notícia de que tenham danificado qualquer patrimônio das ruínas dos monumentos da era Romana, apesar da reputação de destruírem artefatos idolatrados em outras culturas.

“Só de imaginar que um pesquisador que se dedicou tanto a serviços memoráveis a este lugar e sua história foi decapitado... E que seu corpo ainda está pendurado na coluna da praça central de Palmyra”, disse Abdulkarim. “A presença contínua desses criminosos na cidade é uma maldição e um mau presságio para Palmyra e cada coluna e pedaço arqueológico daqui.”

Ativistas que estão em Palmyra divulgaram nas redes sociais uma imagem que exibe, supostamente, o corpo decapitado de Asaad, preso a um poste em uma rua da cidade. Um quadro em frente ao corpo esclarece as acusações contra ele, citando lealdade ao presidente sírio, Bashar al-Asaas, e contato com o serviço de inteligência e segurança. Letras vermelhas em árabe rotulavam o corpo: ‘Herege’. O EI, que segue uma interpretação extrema do Islã, considera que manter esse tipo de relíquia é sinal de apostasia.

De acordo com a agência de notícias síria, Sana, e a base britânica do Observatório de Direitos Humanos, Asaad fora decapitado em frente a dúzias de pessoas em uma praça fora da cidade e, depois, seu corpo teria sido trazido para a praça da cidade e exposto na pilastra. Amr al-Azm, ex funcionário das antiguidades sírias, que administrava os laboratórios de conservação e ciência do país e conhecia Asaad pessoalmente, disse que o “insubstituível” pesquisador esteve envolvido nas primeiras escavações de Palmyra e na restauração de partes da cidade.

“Ele fazia parte, não tem como escrever sobre a história de Palmyra ou qualquer coisa a ver com a cidade sem mencionar Khaled Asaad”, disse. “É como falar de egiptologia sem citar Howard Carter (...) Ele tinha um conhecimento gigante sobre o lugar e isso não vai se perder. Ele conhecia cada canto e esquina. Esse tipo de conhecimento é insubstituível, não dá para simplesmente comprar um livro, ler e achar que é a mesma coisa.”

“Há uma certa dimensão pessoal a esse conhecimento que só se tem vivendo aquilo e se envolvendo muito intimamente e isso se perdeu para nós, para sempre. Não temos mais isso.”

Antes de a cidade ter sido tomada pelo Estado Islâmico, governantes sírios disseram terem movido centenas de estátuas antigas para lugares a salvo, sem nem considerarem que viriam a ser destruídas por militantes. Era mais provável que o EI procurasse por itens portáveis, sem registro, mais fácil de serem vendidos.

Azm afirma que Asaad teve participação na relocação dessas relíquias antes de os militantes assumirem o controle. “Ele havia estado lá e feito parte da cidade por tanto tempo, que talvez tenha pensado que por ter passado sua vida toda ali, deveria morrer ali também. E foi o que, infelizmente, aconteceu”, lamenta. “É terrível.”

O historiador Tom Holland ficou chocado com a notícia. “Para qualquer um que se interesse pelo estudo da mundo antigo, é difícil se dar conta de que ideologias existem e que se voltam contra pessoas que se dedicam a cuidar da história e da arqueologia mundial como ofensas.”

Palmyra floresceu na antiguidade como ponto crucial na Rota da Seda. Asaad trabalhou nas últimas décadas em expedições arqueológicas de escavação em Palmyra dos EUA, França, Alemanha e Suíça. A cidade é patrimônio histórico da Unesco e suas famosas ruínas de 2.000 anos incluem túmulos romanos e o Templo de Bel.

Segundo a Sana, Asaad foi o responsável pela descoberta de várias cavernas e cemitérios nos jardins do Museu de Palmyra. Ele também era pesquisador de Aramaico, o idioma franco da região antes da ascensão islâmica no século VII. “Al-Asaad era, em si, um tesouro para a Síria e para o mundo”, lamenta seu genro, Khalil Hariri, em entrevista à AP. “Por que o mataram? (...) A campanha sistemática deles quer nos levar de volta à pré-história. Mas eles não vão conseguir.”

Em junho, o Estado Islâmico explodiu dois santuários em Palmyra que não eram parte das estruturas da era Romana, mas que os militantes classificavam como pagão ou sacrilégio. No início de julho, divulgaram o vídeo do assassinato de 25 soldados reféns no anfiteatro romano.

A Unesco alertou no mês passado para o aumento “em escala industrial” do número de saques. O Estado Islâmico defende a destruição de patrimônios como Nimrud, no Iraque, mas não esclarece muito como essas antiguidades financiam suas atividades. Artefatos roubados são parte significativa da ideia que se tem das receita multimilionária do grupo, mantida também por reservas de petróleo, taxações e extorsões.

Especialistas arqueológicos dizem que o Estado Islâmico passou a controlar práticas ilegais já existentes, nas escavações e contrabando que, até 2014, era feito por vários grupos armados, ou indivíduos, ou pelo próprio governo sírio.

O Estado Islâmico inicialmente elevou 20% das taxas àqueles “licenciados” para escavar, mas que depois começaram a contratar seus próprios arqueólogos, escavadores e maquinaria. O grupo investiu mais quando a coalizão americana começou a bombardear reservas de petróleo e outros alvos, além de reforçar as punições pelas irregularidades.

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