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Enquanto nos EUA a recente onda de confrontos letais entre policiais e homens negros desencadeou um novo debate sobre o racismo, na Europa a discussão a respeito da violência, da exclusão social e da imigração evita cuidadosamente a questão racial.

Mas, para alguns europeus de ascendência africana, a mensagem é clara. “Honestamente, é bem cansativo ver negros morrerem o tempo todo”, disse a jornalista Tamara Gausi, 33, filha de malauianos nascida em Londres.

“Seja em Baltimore ou no mar Mediterrâneo, nos meios de comunicação é quase como se fosse completamente normal que os negros morram, e essa é uma mensagem terrível.”

Minhas conversas com Gausi giram em torno da profunda decepção que sentimos pela falta de indignação com as experiências brutais que os imigrantes negros vivem. Pior, a maioria dos europeus de raízes africanas ignora o que está acontecendo no outro lado do Mediterrâneo.

No sul da Europa, ser negro muitas vezes é sinônimo de ser refugiado ou imigrante africano e, portanto, um alvo fácil. Em 2013 e 2014, na Espanha, Grécia, Itália, Polônia e Ucrânia, centenas de pessoas de origem africana foram agredidas fisicamente, e muitas delas morreram, segundo a Rede Europeia Contra o Racismo.

Tenho ascendência eritreia, embora tenha pele clara, e a questão da identidade afro-europeia é nova para mim. Fui criado em um ambiente totalmente italiano, onde minha origem africana era em grande parte ignorada.

Mesmo meu pai, negro nascido em Asmara no período da colonização italiana, raramente reconhece nossos laços com a África.

Por muito tempo, eu não questionei realmente a questão da cor e raramente percebia como é frustrante que os negros sejam constantemente retratados de forma negativa. Mas testemunhar a opressão e o sofrimento daqueles que fogem da África chacoalhou minha indiferença eurocêntrica.

Não há um esforço sério no sentido de construir uma narrativa sobre a experiência negra na Europa levando em conta as relações de classe e poder.

Apesar de haver 8 milhões de negros vivendo na Europa, pouco se discute a sub-representação das pessoas não brancas que, apesar de viverem e trabalharem aqui há gerações, raramente ocupam posições de poder.

Mesmo no Reino Unido, que muitos veem como o país europeu mais tolerante ao multiculturalismo, a maioria dos negros recebe educação inferior e tem acesso a atendimento médico de baixa qualidade. Eles geralmente trabalham em empregos mal remunerados, e a taxa de desemprego para eles é elevada.

Nos subúrbios da França, a terceira e a quarta gerações de imigrantes do norte da África enfrentam o mesmo destino. Tal situação vem causando protestos violentos nos últimos anos na França e no Reino Unido, criando um terreno fértil para o extremismo.

A negligência revela uma ligação inextricável com a história colonial da Europa, a qual se choca com os valores europeus associados aos direitos humanos.

Criar uma narrativa negra exige em primeiro lugar questionar símbolos coloniais antigos. Isso está ocorrendo com o surgimento de uma geração de ativistas mais consciente e interconectada. Um exemplo é a campanha contra o Zwarte Piet, ou Pedro Preto, um serviçal do Papai Noel, bobo e de aspecto africano, muito presente nas tradições holandesa e belga.

Em 2011, artistas e grupos de direitos humanos organizaram protestos até que o aspecto do Zwarte Piet fosse alterado. Ele agora aparece sem carapinha nem lábios grandes e vermelhos, ainda que seu rosto continue sendo preto.

Uma razão para que esses símbolos ofensivos não fossem questionados é a fragmentação entre ativistas negros da Europa. Nos Estados Unidos há uma abrangente construção cultural da identidade afro-americana e um movimento que responde quando há injustiça e violência.

Nós, euro-africanos, ainda carecemos de ter nossos próprios líderes e símbolos positivos e inspiradores, nosso Martin Luther King, nossa Rosa Parks, nosso Barack Obama.

“Precisamos ser mais ativos em contar nossas histórias e não termos medo de celebrar a nossa cultura”, disse-me o fotógrafo Johny Pitts, nascido na Inglaterra de pai afro-americano e mãe britânica.

Viajando pelo continente, ele tem retratado centenas de europeus negros para um projeto fotográfico de rua chamado “Uma Odisseia Afropeia”. “Tudo é questão de abrir o diálogo, não só a respeito da raça ou apenas em defesa da negritude”, disse Pitts.

Ele não está interessado em militância antirracista. Quer é reformular a imagem de homens e mulheres negros na Europa, de modo a realçar a dignidade e os pontos fortes dos afrodescendentes.

Atitudes arraigadas são difíceis de superar. Recentemente, num trem para Roma, vi fiscais impedindo um jovem engenheiro camaronês, Ivan Sagnet, de ter acesso à primeira classe. Depois que Sagnet mostrou a passagem, pôde entrar. Ele percebeu minha indignação e sorriu. “Não é a primeira vez que isso acontece, mas aprendi a não reagir”, disse.

Ele me contou que em 2012 viajou à região de Puglia na época da colheita de melão a fim de ganhar dinheiro para pagar a faculdade. Lá, ajudou os trabalhadores a se organizarem contra práticas trabalhistas exploratórias.

Ele atualmente atua em parceria com sindicatos, ajudando imigrantes e conscientizando-os sobre seus direitos trabalhistas.

“Fiquei feliz por ver alguns grupos antirracismo apoiarem nossas ações, mas avisamos a eles que os explorados não são apenas africanos negros, já que havia muita gente do Leste Europeu e Oriente Médio”, disse Sagnet. “Nossa luta não tinha a ver com raça, mas com injustiça.”

Vittorio Longhi é um jornalista italiano cujo livro mais recente é “The Immigrant War: A Global Movement Against Discrimination and Exploitation”.

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