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Uma cópia da primeira tiragem de “Alice”, que continha falhas de produção e foi suprimida | The Morgan Library & Museum /Reprodução
Uma cópia da primeira tiragem de “Alice”, que continha falhas de produção e foi suprimida| Foto: The Morgan Library & Museum /Reprodução

G.K. Chesterton escreveu certa vez que a maior qualidade de “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll, é a de proporcionar uma fuga “para um mundo em que as coisas não são horrivelmente fixas em um estado eterno de correção —onde maçãs crescem em pereiras e qualquer homem que você encontrar por acaso pode ter três pernas”.

No entanto, será que os fãs de Alice aprovariam o livro e sua sequência, “Através do Espelho e o que Alice Encontrou Lá”, se eles fossem igualmente mutáveis? Considere o universo alternativo seguinte: um autor publica “Alice Entre os Trolls”. Seu livro inclui um poema tragicômico não sobre uma morsa e um carpinteiro, mas sobre uma morsa e uma borboleta. Ou um barão.

A cativante mostra “Alice: 150 Years of Wonderland” (Alice: 150 Anos no País das Maravilhas) foi aberta em junho no Morgan Library & Museum, em Manhattan, e continuará até outubro. A mostra relata aspectos um pouco perturbadores sobre como foram criadas as histórias que Carroll começou a contar às três irmãs Liddell —Lorina, Edith e Alice—em um passeio de barco a remo no Tâmisa, em 1862.

As histórias sobre as origens editoriais de livros são quase sempre interessantes, especialmente quando dizem respeito a obras reverenciadas (Seria possível, por exemplo, imaginar “Guerra e Paz” como “Bem Está o Que Bem Acaba”, um dos títulos originais escolhidos por Tolstói?).

No caso de Lewis Carroll, a revelação contida nos documentos reunidos pelo Morgan é o caráter inconfundível das histórias sobre Alice: de algo que foi sendo inventado à medida que Carroll a foi contando. A aura de improvisação se aplica pelo menos em dobro à persona de Lewis Carroll adotada pelo matemático de Oxford Charles Lutwidge Dodson.

Organizada por Carolyn Vega, do Morgan, a exposição marca o início de uma temporada de eventos ligados a “Alice” previstos para espaços que vão do Rosenbach Museum & Library, em Filadélfia, ao Grolier Club, em Nova York.

No entanto, o Morgan conseguiu o prêmio máximo em termos de bibliografia de “Alice”: o manuscrito original, escrito e ilustrado à mão, “Alice’s Adventures Under Ground” (Aventuras de Alice no Subterrâneo), que Carroll deu a Alice Liddell em 1864 como presente de Natal adiantado e que faz parte do acervo da Biblioteca Britânica.

Aberto nas páginas 10 e 11, com o desenho feito por Carroll de uma Alice alongada e o trecho “Mais e Mais Curioso”, o manuscrito é o Sol em torno do qual orbitam páginas dos diários de Carroll; fotos que ele fez de Alice Liddell e suas irmãs; desenhos preparatórios de John Tenniel, cujas ilustrações se tornaram inseparáveis das histórias; objetos pessoais de Alice Liddell e cartas que revelam a trajetória seguida pelas histórias que se converterem em monumento literário.

O simples fato de “As Aventuras de Alice no País das Maravilhas” ter sido publicado é espantoso. A primeira edição, de 1865, foi rejeitada por Tenniel devido a falhas de impressão. Então Carroll reimprimiu o livro por conta própria, estimando que teria que vender 4.000 exemplares para cobrir seus custos.

Em certo sentido, Lewis Carroll, que morreu em 1898 aos 65 anos, rico e famoso, é o sonho de qualquer curador: ele guardou quase tudo.

Apesar disso, na exposição, que inclui a anotação de diário em que Carroll primeiro menciona a fatídica “expedição rio acima até Godstow com as três Liddell”, os personagens fictícios fantásticos muitas vezes emergem com aparência mais real que seu criador.

“Embora tenhamos acesso ao autor por toda essa documentação, no final, ele continua como uma figura opaca”, disse Carolyn Vega, que passou dois anos submersa no mundo de Carroll, viajando para ver documentos e publicações.

“É muito difícil discernir o que se passava por sua cabeça.”

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