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| Foto: ODD ANDERSEN/AFP

Ao aceitar, na terça-feira (6), a indicação do seu partido para seu quarto mandato, a chanceler alemã Angela Merkel fez um discurso que tinha como público-alvo os conservadores críticos às suas políticas liberais de acolhimento de refugiados em que adotou, enfaticamente, uma proposta para proibir a burca.

“Nas comunicações interpessoais, que têm um papel fundamental aqui, nós mostramos o nosso rosto”, disse ela, em referência à peça de roupa islâmica que cobre o corpo todo e que, apesar de raramente ser usada na Alemanha, retém uma ressonância simbólica com boa parte do público, especialmente no discurso da extrema direita, onde surge como uma pedra de toque. “E é por esse motivo que um véu de corpo inteiro é inadequado para o país. Ele deve ser proibido onde quer que isso seja legalmente possível. Não tem lugar em nosso país.”

Os comentários, que foram recebidos com aplausos estrondosos dos colegas membros de seu partido de centro-direita, a União Democrata-Cristã (CDU), parecem representar o reconhecimento tácito de uma confiança pública manifesta em seu poder de liderança, derivado de um punhado de incidentes ligados, às vezes falsamente, a refugiados.

Em seu discurso, ela chegou até mesmo a trazer à tona uma teoria conspiratória da extrema direita: “Nós não queremos nenhuma sociedade paralela. Nossa lei tem precedência acima de normas tribais, códigos de honra e xaria”.

A burca é vista, na Europa e certamente na Alemanha, como muito opressora.

Paul Harris cientista político da Auburn University.

Mas, quando considerados em contraposição ao restante do seu discurso, os comentários também podem ser uma afirmação de um tipo que é cada vez mais raro em outros países ocidentais: que a ação legislativa contra um símbolo com ressonâncias culturais tão profundas, cada vez mais associada a projetos políticos chauvinistas, pode coexistir com as obrigações de uma sociedade aberta de tolerância e inclusividade.

Um véu de corpo inteiro é inadequado para o país.

Angela Merkel chanceler alemã.

“A Alemanha é muitas vezes chamada de ‘a terra relutante da imigração’”, diz Paul Harris, cientista político da Auburn University, especializado no estudo comparativo de políticas de imigração. Segundo ele, milhões de alemães são imigrantes ou identificam suas raízes em países como a Rússia, Polônia, Hungria ou Grécia.

Mas o modelo alemão de imigração tende a enfatizar o papel do Estado em vez dos mandados do livre comércio, como ocorre nos Estados Unidos. Imigrantes recentes são matriculados em aulas de idioma e treinamento profissional, por exemplo, com a intenção de prepará-los para sua integração no mercado de trabalho, o que indica que a integração cultural é crucial, de uma forma ou outra.

Os alemães aprovam bastante a proibição da burca. Em uma enquete feita em agosto, 81% eram a favor de que a burca desaparecesse de lugares públicos, e 51% chegaram até mesmo a dizer que gostariam de proibir seu uso por completo.

E isso apesar de a maioria dos alemães provavelmente nunca ter visto uma burca sendo usada em público. Segundo o The Washington Post, o governo alemão não tem estatísticas de quantas mulheres e meninas usam o véu completo, e a tentativa corajosa de um repórter de obter uma estimativa, com base na pesquisa de especialistas, chegou a um número não maior do que 200 ou 300 pessoas, ou cerca de 0,01% dos 4,7 milhões de muçulmanos do país.

“A burca é vista, na Europa e certamente na Alemanha, como muito opressora”, diz Harris. “Ela não está apelando às tendências nacionalistas. Essa é uma abordagem bastante de senso comum.”

Não está claro ainda o quanto o governo Merkel está disposto a se comprometer com essa legislação antiburca, mas o gesto será provavelmente bem visto pelos eleitores alemães inflamados pelos dois atentados de julho cometidos por refugiados – bem como outros incidentes violentos.

Desde então, o partido anti-imigração Alternativa para a Alemanha (AfD) vem conquistando espaço e já ganhou um pequeno número de assentos nos parlamentos do Estado e no Parlamento Europeu.

Mas Merkel vem reagindo também nos últimos meses. Na terça-feira (6), ela pediu aos alemães para que “mantivessem uma postura cética em relação às respostas fáceis”. “O mundo não é preto no branco”, diz. “Raramente são as respostas fáceis que trazem progresso ao nosso país.”

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