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O ditador russo, Vladimir Putin, voltou a falar nesta semana que o envio de tropas da OTAN para a Ucrânia seria um passo para a Terceira Guerra Mundial
O ditador russo, Vladimir Putin, voltou a falar nesta semana que o envio de tropas da OTAN para a Ucrânia seria um passo para a Terceira Guerra Mundial| Foto: EFE/EPA/SERGEI ILNITSKY

Desde o início das guerras entre Rússia e Ucrânia, em fevereiro de 2022, e entre Israel e o grupo terrorista Hamas, em outubro do ano passado (esta com o Hezbollah e os houthis como atores coadjuvantes), há o receio de uma escalada nesses conflitos.

A dúvida é: dados os desdobramentos e as repercussões das duas guerras, estamos caminhando para ou até já vivendo uma Terceira Guerra Mundial?

O jornalista americano Thomas Friedman, colunista do The New York Times, considera que os dois conflitos não só já são guerras mundiais, como merecem mais esse título do que as próprias Primeira e Segunda Guerras Mundiais, pelo seu impacto global.

“Quando a guerra da Ucrânia começou, eu disse [em um artigo em 2022] que essa na verdade era a Primeira Guerra Mundial. O conflito que chamamos de Primeira Guerra Mundial não foi uma guerra mundial”, argumentou, numa conferência promovida este mês pelo jornal israelense Haaretz e pela Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA).

“A guerra da Ucrânia foi a primeira guerra mundial porque as pessoas puderam acompanhá-la nos seus celulares, puderam opinar sobre ela, o impacto na agricultura foi imediato... Houve um impacto nos preços dos alimentos – foi realmente uma guerra mundial. E eu acho que talvez a guerra entre Israel e Hamas seja a Segunda Guerra Mundial. Todos no mundo inteiro têm uma opinião sobre ela, estão acompanhando, sendo afetados por ela”, argumentou o jornalista.

É uma opinião singular, mas líderes mundiais não concordam com ela – o debate tem sido efetivamente sobre a possibilidade de uma guerra, diretamente no campo de batalha, que vá além de Ucrânia x Rússia e Israel x Hamas, e o que pode ser feito para evitar isso.

Em uma reunião do Conselho de Segurança sobre a não proliferação nuclear, organizada pelo Japão na segunda-feira (18), o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que “a humanidade não conseguiria sobreviver a uma sequência de ‘Oppenheimer’” – numa referência ao filme vencedor do último Oscar, que retrata a busca dos Estados Unidos pela bomba atômica no chamado Projeto Manhattan e os ataques nucleares a Hiroshima e Nagasaki.

“Estamos reunidos em um momento em que as tensões geopolíticas e a desconfiança elevaram o risco de guerra nuclear ao seu nível mais alto em várias décadas”, disse Guterres.

O Relógio do Juízo Final, uma iniciativa do Boletim de Cientistas Atômicos (criado por pesquisadores do Projeto Manhattan), atingiu no ano passado a faixa “90 segundos para a meia-noite” – considerando, claro, que a meia-noite é quando ocorrerá uma catástrofe mundial devido a erros cometidos pela humanidade.

Foi a classificação mais perto da hora fatal desde que o relógio foi criado, em 1947. Este ano, o índice foi mantido pelos pesquisadores, que alertaram sobre os perigos da escalada nuclear, entre outros fatores: aquecimento global, ameaças biológicas e a Inteligência Artificial (IA).

“Tendências sinistras continuam a direcionar o mundo para uma catástrofe global. A guerra na Ucrânia e a dependência generalizada e crescente de armas nucleares aumentam o risco de uma escalada nuclear. A China, a Rússia e os Estados Unidos estão todos gastando enormes somas para expandir ou modernizar os seus arsenais nucleares, aumentando o perigo sempre presente de uma guerra nuclear por meio de erros ou falhas de cálculo”, justificou o grupo, em comunicado divulgado em janeiro.

Comentário de Macron, resposta de Putin

Em fevereiro, o receio de uma guerra nuclear aumentou depois de uma declaração do presidente da França, Emmanuel Macron, de que “não pode ser descartada” a hipótese da OTAN enviar tropas para ajudar a Ucrânia na guerra contra os russos.

O ditador russo, Vladimir Putin, fez várias ameaças de usar armas nucleares desde o início da guerra, e no caso de um embate direto entre tropas da Rússia e da OTAN, estaríamos falando de um conflito em que os dois lados teriam esse tipo de armamento – ao contrário do que ocorre na Ucrânia.

Putin rebateu Macron, acusando o Ocidente de provocar “conflitos na Ucrânia, no Oriente Médio e em outras regiões do mundo, ao mesmo tempo em que propaga consistentemente falsidades”.

“Agora começaram a falar sobre a possibilidade de enviar contingentes militares da OTAN para a Ucrânia”, afirmou Putin.

“Mas lembramos o que aconteceu com aqueles que antes enviaram contingentes ao território do nosso país. Hoje, quaisquer potenciais agressores enfrentarão consequências muito mais graves. Eles têm de compreender que também temos armas [nucleares] – sim, eles sabem disso, como acabei de dizer – capazes de atingir alvos nos seus territórios”, ameaçou.

A Rússia considera a Crimeia, ocupada em 2014, e quatro províncias ucranianas, anexadas em referendos fraudulentos em 2022, parte do seu território. Ou seja, ofensivas de outros países nessas áreas poderiam ser consideradas invasões por Moscou.

Na semana passada, Macron voltou a falar do envio de tropas da OTAN para a Ucrânia. “Não estamos nessa situação hoje [de enviar tropas, mas] todas essas opções são possíveis”, disse o presidente francês, em uma entrevista para as emissoras francesas TF1 e France Television.

Ele pontuou que, assim como o envio de tropas da OTAN hoje é tabu, outros tipos de ajuda à Ucrânia também eram no início do conflito e depois foram autorizados.

“Há dois anos, dissemos que nunca enviaríamos tanques. Nós enviamos. Há dois anos, dissemos que nunca enviaríamos mísseis de médio alcance. Nós enviamos”, afirmou.

No último domingo (17), após sua vitória na contestada eleição presidencial russa, Putin disse que já há soldados da OTAN lutando na Ucrânia e morrendo “em grande número” no campo de batalha e mencionou o risco de uma Terceira Guerra Mundial.

“Os soldados dos países da OTAN estão lá. Nós sabemos disso”, declarou o ditador, que afirmou que militares russos os ouvem falando em francês e inglês, o que, segundo ele, “não é bom, principalmente para eles, porque eles morrem”.

“E o fazem em grande número”, acrescentou. Sobre um possível conflito entre a Rússia e a aliança militar, Putin disse que “no mundo de hoje tudo é possível”.

“Todos entendem que isso nos colocará a um passo de uma Terceira Guerra Mundial em grande escala. Não creio que alguém esteja interessado nisso”, disse.

Destruição em Kharkiv, no nordeste da Ucrânia, após ataque russo nesta quarta-feira (20). Foto: EFE/EPA/SERGEY KOZLOV
Destruição em Kharkiv, no nordeste da Ucrânia, após ataque russo nesta quarta-feira (20). Foto: EFE/EPA/SERGEY KOZLOV | EFE

Outros países da OTAN rechaçaram as declarações de Macron, garantindo que não há planos de enviar tropas da aliança militar para a Ucrânia.

“Penso que a OTAN não deveria entrar na guerra da Ucrânia. Seria um erro. Precisamos ajudar a Ucrânia a se defender, mas entrar no país para travar uma guerra contra a Rússia significa correr o risco de uma Terceira Guerra Mundial”, disse o ministro das Relações Exteriores da Itália, Antonio Tajani, numa entrevista na semana passada.

Uma rara voz de apoio a Macron nessa questão, ainda que reticente, foi a de Elina Valtonen, ministra das Relações Exteriores da Finlândia, país que entrou no ano passado na OTAN motivado pela invasão russa à Ucrânia.

“É importante não descartarmos nada a longo prazo, porque nunca sabemos quão grave a situação pode se tornar. Mas a posição finlandesa é clara: neste momento, não estamos enviando quaisquer tropas e não estamos dispostos a discutir isso”, afirmou, em entrevista ao site Politico.

Especialista acredita em risco maior no Oriente Médio

Em entrevista à Gazeta do Povo, o coronel da reserva e analista militar Paulo Roberto da Silva Gomes Filho destacou que Macron falou em nome da França, não em nome da OTAN.

Prova disso, argumentou, foram as respostas imediatas de Jens Stoltenberg, secretário-geral da aliança, e do chanceler alemão, Olaf Scholz, que descartaram o envio de tropas da OTAN para a Ucrânia.

“Eu não acredito que a OTAN mande tropas para a Ucrânia, exceto se a segurança europeia estiver realmente ameaçada pela Rússia. O problema é definir o que caracterizaria tal ameaça”, disse Gomes Filho.

O analista apontou que, até agora, os limites impostos pela OTAN aos russos, ou seja, as “linhas vermelhas” que não devem ser ultrapassadas “pois caracterizariam uma ameaça intolerável”, são as fronteiras dos países da aliança.

“Macron lançou um dado novo à equação, afirmando que as cidades de Odessa e Kiev eram ‘linhas vermelhas’, ou seja, se fossem atacadas, implicariam no envio de tropas francesas. A OTAN não traçou essas linhas até o momento”, afirmou Gomes Filho.

O especialista também destacou que o tratado da OTAN estabelece que ela é uma aliança defensiva e que seu “famoso” artigo 5º prevê que um ataque contra um ou vários países da aliança será considerado um ataque a todos – não há exigência de uma adesão automática a ofensivas de membros da organização.

“Não se trata, portanto, de um compromisso incondicional. Assim, não me parece que exista um compromisso de que os demais países da aliança se engajem em um conflito com a Rússia caso a França decida mandar tropas à Ucrânia de forma unilateral. Dito isso, eu não diria que estamos perto de uma guerra mundial. Mas, sem dúvida, vivemos o momento mais perigoso desde o fim da Segunda Guerra Mundial, comparável somente à crise dos mísseis em Cuba, de 1962”, argumentou o analista.

Nesse sentido, Gomes Filho apontou que a guerra no Oriente Médio oferece mais riscos de escalada do que a da Ucrânia, no que diz respeito a se expandir para um conflito regional.

“Isso em razão da variedade de atores e da quantidade de variáveis envolvidas. Pode haver uma escalada se, por exemplo, algum dos mísseis lançados pelos houthis acertarem um dos navios de guerra dos Estados Unidos ou de seus aliados que se encontram na região”, disse.

“Pode haver escalada para o Líbano, em razão do conflito cada vez mais intenso entre Israel e o Hezbollah. Pode haver uma escalada da crise na Cisjordânia. Pode acontecer o envolvimento do Irã. Ou seja, as possibilidades são várias, basta que alguns incidentes ocorram de forma a provocar uma reação em cadeia”, justificou Gomes Filho. (Com Agência EFE)

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