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Tenho feito uma série de palestras sobre “república versus populismo”. Esse populismo tem uma origem específica. Como técnica de manipulação, ele existe desde que surgiu a política – os romanos se referiam a essa forma de controle das massas e de suas necessidades com a famosa expressão “pão e circo”. Mas o populismo a que nos referimos como destruidor da república em nossa América Latina surgiu logo depois da queda do Muro de Berlim, em 1989.

Em 1991, a União Soviética implodiu e interrompeu o fluxo de dinheiro que financiava guerrilhas marxistas e comunistas na América Latina. Sem apoio logístico e financeiro soviético, a esquerda latino-americana se viu na encruzilhada de continuar lutando pelo poder político sem recursos. Partidos, fundações, organizações, associações civis que militavam pelo socialismo perceberam que, para chegar ao poder, teriam de usar a democracia. Não adiantaria mais pegar em armas para dobrar os governos latino-americanos e exportar o modelo que Fidel Castro tinha usado com sucesso havia meio século, em Cuba.

O populismo é uma forma tosca e barata que os políticos medíocres usam para chegar ao poder e nele permanecer

Assim, esses grupos se reuniram no Brasil no que hoje conhecemos como Foro de São Paulo, delimitando os estatutos do que eles mesmos chamaram “socialismo do século 21”. Foi lá que resolveram brincar com a democracia, e o populismo se tornou a melhor ferramenta para jogar esse jogo. Esquematizou-se uma agenda que, 20 anos depois, estamos vendo ser implantada, em maior ou menor grau, nos países que adotaram esse socialismo como forma de governo. Neste 2015 temos visto como esse sistema está desmoronando; as violações a direitos humanos, abusos contra o sistema econômico e a propriedade dos cidadãos, assassinatos políticos e restrições à liberdade de imprensa e expressão estão se multiplicando em uma região cada vez mais desesperada por restabelecer o equilíbrio e a separação entre Executivo, Legislativo e Judiciário, e a restauração de repúblicas que hoje só existem no papel.

A direita latino-americana também se reorganizou com a queda do Muro. No início dos anos 90, falava-se do “triunfo iminente do capitalismo”. Vínhamos de um mundo de Reagans e Thatchers, onde os soviéticos tinham fracassado. Por isso, os governos de direita da América Latina – muitos deles recém-surgidos após décadas de conflitos – se reuniram em Washington para organizar um novo modelo econômico que permitisse o triunfo do capitalismo na região. Assim surgiu o “Consenso de Washington”, pelo qual os presidentes da região se comprometiam a liberalizar o que até então era propriedade exclusiva do Estado, a privatizar, a “permitir a competitividade”, a tornar possível que todos os atores pudessem fazer comércio entre si.

Mas, quando esses líderes voltaram a seus países e privatizaram empresas aéreas, ferrovias, companhias elétricas, de abastecimento, de petróleo e mineração, não liberalizaram nada. Não fizeram dos trabalhadores dessas empresas acionistas que se comprometessem a buscar a eficiência, nem permitiram a entrada de novos atores para competir. Não houve livre mercado, não houve vários atores competindo, houve só monopólios privados. Mas, no imaginário de quem não conhece a história, o capitalismo “tinha fracassado na região”. O livre mercado “não funcionava”. Ninguém percebeu que nunca se implementou um livre mercado – e daí o fracasso.

Essa foi a bandeira de Hugo Chávez: o fracasso do imperialismo e do capitalismo exigia que o povo chegasse ao poder. E, uma vez mais, uma região acostumada a caudilhos e ditadores se deixou enamorar por um discurso populista que busca o ódio dentro da sociedade. Uma direita fracassada e corrupta também passou a usar mecanismos populistas em suas campanhas. O populismo é uma forma tosca e barata que os políticos medíocres usam para chegar ao poder e nele permanecer, enriquecendo com a riqueza produzida por aqueles que esses medíocres satanizam em seus discursos populistas.

Gloria Álvarez, cientista política e radialista, é diretora de Projetos da ONG Movimento Cívico Nacional, da Guatemala. Tradução: Marcio Antonio Campos.
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