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Felipe Lima

Um dos destaques dos noticiários internacionais nos últimos dias é a iniciativa do presidente dos Estados Unidos em assinar a revisão, após 40 anos, da lei americana que versa sobre o teste de substâncias tóxicas (TSCA, ou Toxic Substances Act), com o intuito de diminuir drasticamente o uso de animais por meio do incentivo ao desenvolvimento de métodos alternativos. Nas últimas décadas, inúmeros países vêm paulatinamente se posicionando contrariamente ao uso de animais no processamento de cosméticos, na restrição ao uso para atividades acadêmicas e na normatização e fiscalização com relação ao uso de animais em pesquisa, experimentação e produção.

Concomitantemente, atos jurídicos têm reconhecido a senciência de algumas espécies. O Brasil também dispõe de diferentes dispositivos legais federais, estaduais e municipais, além de inúmeros projetos de lei em andamento, que visam a proteção animal, com destaque para a Lei de Crimes Ambientais (9.605), a Lei de Biodiversidade (13.123) e a Lei Arouca (11.794), sendo esta a mais complexa e minuciosa, composta por 29 resoluções normativas que visam a normatização da produção, manutenção e utilização de animais em atividades de ensino e pesquisa.

Atos jurídicos têm reconhecido a senciência de algumas espécies

Embora esta seja uma tendência global, existem argumentos favoráveis e contrários. Os movimentos pró-animais atuam em prol dessa causa desde o século 18, contribuindo para a consolidação de leis que diminuíram drasticamente os maus-tratos dispensados aos animais em experimentos. Mesmo assim, argumentos emotivos clamam pela extinção total dos testes em animais. Esses movimentos têm conseguido sucesso em suas ações, principalmente por se inserirem direta ou indiretamente no meio jurídico e político. Os cientistas, por outro lado, embora tenham informação da senciência dos animais e dos vieses presentes em muitas pesquisas e testes, ainda consideram o uso de animais na experimentação uma necessidade insubstituível, protestando contra a burocracia dos procedimentos legais.

A sociedade tem protagonizado cada vez mais a intolerância aos excessos e maus-tratos, utilizando-se principalmente do ambiente democrático da internet para denunciar e exigir ação dos órgãos públicos que tutelam os animais. Por fim, os argumentos do defensores dos animais alertam que, por mais que um pesquisador promova um ambiente confortável e métodos cada vez menos invasivos, manter um animal cativo é ir contra a existência natural e autônoma almejada por qualquer ser vivo.

Contudo, argumentos à parte, cada qual com suas justificativas e valores, posturas radicais podem ser estímulos para soluções mais efetivas e tecnológicas. O uso do modelo animal de fato é um procedimento muito antigo, que remonta à Era Clássica. O que leva a questionar todas as habilidades e criatividade da humanidade: por que não desenvolver métodos alternativos mais eficazes, mais baratos, mais acessíveis, mais rápidos e mais éticos?

O que em um momento pode parecer uma barreira aos procedimentos tradicionalmente consolidados pode alavancar um avanço em todos os sentidos. Não há dúvida de que medidas tomadas por países desenvolvidos desencadearão adesões; o Brasil já está inserido neste contexto, estimulando e validando métodos alternativos, o que deve ser visto pela academia como um fértil terreno para desenvolvimento de uma ciência mais moderna, eficaz, justa e humanitária.

Marta Fischer, bióloga e doutora em Zoologia, é coordenadora do Ceua-PUCPR e professora titular do mestrado em Bioética da PUCPR.
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