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| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

O “caso Cristiane Brasil” reacendeu novamente no país a questão da moralidade na administração pública. É possível notar a evolução que esse princípio constitucional vem tendo nos últimos anos. Se antes era tido como um princípio vago, etéreo, quase sem aplicação prática, hoje, e cada vez mais, vem se cristalizando na sociedade brasileira.

Se é certo que muito se discute sobre os limites da atuação do Poder Judiciário nas decisões da administração publica (ou seja, sobre o ativismo judicial), não é menos certo que, diante da cristalização cada vez maior do conceito de moralidade e sua respectiva inobservância, o juiz pode ser chamado a decidir sobre a questão.

Se o administrador público tem um rol quase infinito de possibilidades de escolha de pessoas a nomear para cargos públicos, no que a sua discricionariedade é perfeitamente preservada, por que se espantar com a intervenção do Judiciário nos casos concretos em que essa escolha não atende aos novos parâmetros da moralidade?

A noção de moralidade administrativa evolui juntamente com a cultura da nação

O fato é que a noção de moralidade administrativa evolui juntamente com a cultura da nação. E é natural que a cultura de uma nação se desenvolva com o passar dos anos. O que antes era compreendido como “normal” hoje pode não ser mais. Se o “jeitinho brasileiro” era tido como natural, hoje em dia, e cada vez mais, vem sendo rejeitado pela sociedade. Se o nepotismo antes era prática corriqueira na administração pública brasileira, hoje não é mais aceito na cultura nacional. Se determinadas práticas políticas e governamentais antes eram vistas com naturalidade, hoje são menos toleradas pelo cidadão e pela Justiça. Enfim, não parecem válidos argumentos como “então, por que não se prendeu antes?”, “por que não se investigou antes?”, “por que antes era aceitável e agora não é?” etc. Ora, é natural que a cultura da sociedade evolua com o passar do tempo e, com ela, também se desenvolva e se cristalize a noção de moralidade administrativa.

E, se o Poder Judiciário é chamado a intervir num caso concreto em que a sociedade civil organizada ou o cidadão percebe a violação da ideia de moralidade administrativa que se desenvolveu juntamente com a cultura da própria sociedade, qual o problema de se dar uma resposta judicial para a controvérsia? Os conceitos jurídicos se desenvolvem juntamente com os conceitos culturais da sociedade e, uma vez violados, podem ter a sua proteção reivindicada pelo cidadão àquele que tem a última palavra na questão, o Poder Judiciário.

A decisão é ilegítima: O ativismo judicial em ação (artigo de Rodrigo Cunha Ribas, coautor de Política, democracia e ativismo judicial)

A deputada Cristiane Brasil não está imune ao novo e mais exigente conceito de moralidade administrativa; afinal de contas, ela já teve contra si decisão judicial desfavorável por violação da juridicidade (a legalidade no seu sentido amplo) relacionada justamente à pasta que deveria ocupar.

Portanto, é papel, sim, do Poder Judiciário decidir sobre a questão suscitada pela sociedade, não tendo o administrador público o monopólio da interpretação do conceito de moralidade. A nova moralidade administrativa brasileira ainda não alcançou a britânica, na qual o atraso de dois minutos para uma sessão já gerou até a renúncia de um parlamentar, mas certamente está evoluindo.

Rafael A. S. Domingues, doutorando em Direito Administrativo, é procurador do Estado do Paraná.
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