• Carregando...
 | Daniel Castellano/Arquivo Gazeta do Povo
| Foto: Daniel Castellano/Arquivo Gazeta do Povo

O filósofo Ortega y Gasset, em seu magistral livro O Homem e os Outros, professa que “o viver ou o ser vivo, que são a mesma coisa, o ser homem, não admite preparação nem ensaio prévio. A vida nos é disparada à queima-roupa” e é exatamente assim que vivemos, aprendendo no percorrer da vida, com erros e acertos. Infelizmente isso não é espelho dos últimos 30 anos de políticas de segurança pública no Brasil. Políticas baseadas em ideologias e cada vez mais distantes do mundo real se sucederam e se repetiram em uma frequência irritantemente constante. Os resultados todos nós podemos ver nas páginas dos jornais e no chão pátrio, encharcado de sangue inocente dos mais de 60 mil assassinatos ocorridos apenas em 2016.

Durante 20 anos atuando e estudando questões ligadas à segurança, não foram poucas as vezes em que fui tomado de profundo desânimo quando me confrontava com o recorrente “mais do mesmo” de nossa classe política – ou, pelo menos, da maior parte dela. Uma bolha aparentemente intransponível se instalara na ilha da fantasia também conhecida como Congresso Nacional. Mas eis que nesta semana, ao que parece, a bolha rachou! Um forte golpe foi desferido na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, que aprovou em sua íntegra um relatório apresentado pelo senador Wilder Morais (PP-GO). Entre os pontos principais estão as sugestões do fim do Estatuto do Desarmamento, guerra às facções criminosas e “militarização” das nossas fronteiras.

A utopia da violência vencida pela camiseta branca ou passeatas pela paz seduz muita gente, mas não a mim

Para alguns céticos, isso poderia parecer pouca coisa, ou até mesmo uma obviedade – mas não é. As propostas apresentadas definitivamente mostram que o mundo real chegou aos nossos senadores, e só isso já seria motivo mais que suficiente para longas comemorações. Trata-se do abandono de ideologias impraticáveis e utópicas em favor de políticas racionais e comprovadamente eficientes para redução da criminalidade. Claro que os velhos “papas” da “segurança pública de faz-de-conta” torceram o nariz, bem como boa parte da imprensa. Em compensação, as pessoas que vivem neste mundo aplaudiram.

Por falar em vontade popular, a construção de Brasília na imensidão do Planalto Central, todos sabemos, foi pensada exatamente para afastar a política nacional daquela coisinha insignificante chamada povo. A estratégia funcionou durante décadas, mas desapareceu com a chegada da internet e das mídias sociais. Prova disso é que dois projetos considerados absurdos por quem entende minimamente do assunto foram implodidos após forte pressão virtual. O projeto que criminalizava o porte de facas e o que inutilizava armas de coleção foram retirados de tramitação pelos seus autores após milhares de pessoas enviarem os seus “elogios” aos congressistas responsáveis.

Do mesmo autor: As armas dos criminosos e a utopia do desarmamento (9 de março de 2015)

Leia também: Mentiras do cárcere (artigo de Diego Pessi e Leonardo Giardin, publicado em 11 de julho de 2017)

Contentar-se com a utopia, com um mundo tão ideal quando inexistente, com a violência vencida pela camiseta branca ou passeatas pela paz, com a ilusão do criminoso que magicamente se redime ante um abraço carinhoso, é uma ideia sedutora para muitos, não para mim. Fico, modestamente, ao lado de Machado de Assis, que afirmava: “É melhor, muito melhor, contentar-se com a realidade; se ela não é tão brilhante como os sonhos, tem pelo menos a vantagem de existir”.

Bene Barbosa é presidente do Movimento Viva Brasil, estudioso em Segurança Pública e coautor de “Mentiram Para Mim Sobre o Desarmamento”.
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]