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Descriminalizar não é legalizar

A sociedade brasileira se questiona sobre "legalização" do aborto. A questão que se põe é da descriminalização ou despenalização do aborto, ligada a bases sociais e políticas das quais não pode ser separada. Primeiro, vivemos em um Estado laico; segundo, os valores de crentes ou de políticos não podem se impor a toda a nação.

Leia a opinião completa de Laércio Lopes de Araujo, médico e bacharel em Direito pela UFPR, exerce a psiquiatria há 25 anos.

Poderia o aborto deixar de ser crime?

A minha resposta é não, pois o aborto sempre elimina uma vida humana inocente, e o direito à vida é o mais básico de todos os direitos humanos. Nessa perspectiva, os países em que o aborto foi legalizado ou "descriminalizado" na verdade oficializaram uma violação de direito humano.

Vale a pena voltarmos a alguns dos princípios explicitados quando a ONU realizou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Diz ela, em seu preâmbulo, entre outras coisas:

"CONSIDERANDO que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,

CONSIDERANDO que o desprezo e o desrespeito pelos direitos do homem resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade, e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum,

CONSIDERANDO ser essencial que os direitos do homem sejam protegidos pelo império da lei, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão."

Quando um direito humano básico, como o direito à vida, não é protegido pelo império da lei, estamos em uma situação de tirania e opressão. No caso, a tirania dos adultos sobre os nascituros. Sei que são palavras fortes, como forte é a expressão da ONU ao falar de "atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade". Infelizmente, elas têm a sua base na realidade vivida durante a Segunda Guerra Mundial.

Quando um crime de fato deixa de ser reconhecido como tal pela lei ou pela sociedade, estamos diante de uma afronta à dignidade humana. Lamentavelmente, a história da humanidade nos mostra que a situação não é rara: escravidão, racismo, opressão de determinadas etnias ou crenças religiosas, todas tiveram a sua base legal em diferentes épocas e lugares, e não estão ausentes na atualidade. Elas deveriam ser suficientes para mostrar-nos os limites do positivismo legal, ou seja, da mentalidade que acredita que a lei gera o direito, e não vice-versa.

Ser crime é inerente ao aborto. A cada país compete definir os procedimentos legais e a punição a quem comete esse crime, incluídos o direito de defesa e o reconhecimento de eventuais atenuantes, seja em geral, seja em cada caso concreto. O Código Penal brasileiro é coerente com essa visão, considerando o aborto sempre crime, mas deixando de punir em determinadas situações.

Nesse contexto, a expressão "aborto legal" é indevida. Seria necessário trazer precisão às definições, ressaltando sempre a dignidade humana, que é inviolável. É importante também ressaltar que é falsa a contraposição entre a dignidade da mãe e do filho, pois cabe à sociedade proteger ambas.

Lenise Garcia, professora do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília, é presidente do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida – Brasil sem Aborto.

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