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Em artigo publicado na Gazeta do Povo de 2 de março, o professor João Carlos Gomes – atual secretário de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior – descreve que a situação do ensino superior “faz do Paraná um caso ímpar”, e que sua força está no investimento financeiro que o estado destina às universidades. No entanto, os repasses feitos pelo estado não acompanharam nem o crescimento das instituições, nem o aumento da arrecadação do ICMS (43% de 2011 a 2014), fonte da qual, por lei, deve vir o sustento do sistema estadual de ensino superior.

Embora os números apresentados pelo secretário possam assustar pelo volume, ao nos aproximarmos da realidade concreta dessas universidades veremos que é pouco o que se tem feito. Segundo o secretário, são R$ 6,2 bilhões em investimentos de 2011 a 2014. O número impressiona, à primeira vista, mas façamos as contas: esse valor ,dividido pelas sete universidades (71.806 alunos em 2014) e dividido em três anos, dá pouco mais de R$ 295 milhões para cada universidade por ano, sendo que não há isonomia nessa distribuição. Em comparação com o orçamento da USP (68.675 alunos em 2014), de R$ 4,4 bilhões para 2014, dá pra dizer que nosso pedaço do bolo está bem minguado e sem cobertura.

O câmpus da Unespar de Paranaguá está destroçado, com obras inacabadas pela falta de pagamento à empresa responsável pela reforma. Na Unioeste, os laboratórios de pesquisa são improvisados

Se somos “um caso ímpar”, é porque nossa força não se encontra apenas nos números; ela está, sem dúvida, no seu quadro de docentes, agentes universitários e alunos, que fazem no dia a dia a produção do conhecimento e sua disseminação através de seus cursos de graduação, pós-graduação, pesquisa e extensão. É na universidade que o saber é construído e sistematizado. A universidade é uma das bases de uma sociedade democrática que sabe usar sua força intelectual para se construir.

Além dos números acima, queremos dar ao leitor uma perspectiva divergente desta que nos impõe o Poder Executivo deste estado a partir da experiência concreta de professores, pesquisadores e artistas de algumas destas universidades. A Escola de Música e Belas Artes do Paraná, uma das mais antigas do país, hoje se encontra sem uma sede própria, e vive aos pedaços com suas dependências divididas em três prédios comerciais alugados no Centro de Curitiba. Aluguéis caros em instalações inapropriadas! Fosse apenas isso e já seria triste! Mas o câmpus da Unespar de Paranaguá está destroçado, com obras inacabadas pela falta de pagamento à empresa responsável pela reforma. Na Unioeste, os laboratórios de pesquisa são improvisados, faltam funcionários e os programas de pós-graduação funcionam sem orçamento da Seti. Na UEM, em Maringá, que tem mais de 15 mil alunos, a fotografia não é melhor: desde 2012 estão sem restaurante universitário, com quatro prédios por terminar e chove nas salas de aula que existem.

Apesar disso, as universidades paranaenses são excelentes e chegaram a esse estágio por terem autonomia. Agora, por meio de decreto, o governo quer constituir um grupo de trabalho com o objetivo de evitar a participação da comunidade acadêmica na discussão e elaboração de uma proposta de alteração da atual autonomia. Atitude que fere o artigo 207 da Constituição Federal: “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”, não carecendo que o estado proponha as condições desta regulamentação.

Portanto, a força das universidades estaduais se encontra não nos números, mas naqueles professores, funcionários e alunos que desde o dia 10 de fevereiro de 2015 pararam suas atividades e estão se revezando em um acampamento improvisado na Praça Nossa Senhora da Salete, em frente ao Palácio Iguaçu. Não porque achem agradável a situação de acampados – sem dúvida prefeririam estar nas suas salas de aula, dedicados às suas pesquisas e projetos de extensão –; estão ali acampados porque querem fazer valer sua voz, querem ser ouvidos por um governo que se nega a recebê-los, blindado com decretos e votações em comissão geral. O governo quer sacrifícios, mas não quer dialogar e decidir democraticamente como e por quem serão feitos. A real força das universidades está em esclarecer este governo que democracia se faz dialogando. Ninguém das universidades se furtará em melhorar a qualidade do ensino superior público, autônomo e gratuito.

Deborah Bruel, artista visual, é professora da Unespar Câmpus I (Curitiba) e doutoranda em Poéticas Visuais na ECA-USP. Artigo escrito com as contribuições de André Ricardo de Souza (Unespar), Antônio Bosi (Unioeste), Márcio Mattana (Unespar), Marta Bellini (UEM) e Monica Herek (Unespar).
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