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 | Marcos Corrêa/Presidência da República
| Foto: Marcos Corrêa/Presidência da República

Logo após o processo de redemocratização de nosso país, foi elaborada uma nova Constituição Federal, promulgada em 1988. O artigo 205 do Capítulo III, Seção I, que trata da educação, se encontra assim redigido: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Após oito anos de vigência desta Constituição, veio à tona a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Seu artigo 2.º apresenta a seguinte redação: “A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Duas observações devem ser feitas em relação a esses dois documentos. A primeira é óbvia e diz respeito ao fato de que a finalidade da educação proposta na Constituição é plenamente referendada na Lei de Diretrizes e Bases, e nem poderia ser diferente. A segunda é a de que ambas fazem referência ao preparo para o exercício da cidadania. Destacamos aqui que a palavra “exercício” indica a realização de ações no âmbito da sociedade.

Depois de dois anos da promulgação dessa lei, apareceram os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio. Os educadores que os elaboraram nortearam muitas propostas educativas que neles se encontram incluídas pelo objetivo de preparo para o exercício da cidadania. O mesmo pode ser dito em relação às Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais e às Orientações Curriculares Para o Ensino Médio que a eles se seguiram. Apesar dessa sintonia, tais educadores não tiveram a preocupação de explicitar o perfil do cidadão a ser formado, fato que não contribuiu para a instauração da necessária unidade em cada uma das áreas do currículo, bem como entre elas.

Este perfil poderia ser o de cunho liberal, que diz respeito à relação jurídica entre o indivíduo e o Estado em termos do usufruto de direitos e o cumprimento de deveres; poderia ser o de cunho comunitarista, que é baseado na realização de ações de apoio à governabilidade e às entidades existentes no local onde a pessoa vive; ou qualquer outro perfil encontrável na literatura especializada.

A palavra “cidadania” não aparece em nenhuma parte do texto legal que reforma o ensino médio

Em seguida a essas duas orientações, e após alguns anos, foi aprovado um parecer que estabeleceu novas diretrizes para o ensino médio com base em diversas justificativas, dentre as quais se encontra a finalidade de preparação para a cidadania. Este parecer apenas reafirmou a finalidade em questão, mas não clarificou o seu sentido. Entretanto, ele apresentou algumas propostas relativas ao protagonismo dos estudantes e ao papel dos órgãos colegiados escolares e de representação estudantil, bem como a inclusão da educação ambiental e a educação em direitos humanos, ambas muito importantes para o preparo do cidadão.

No mês de fevereiro deste ano, emergiu a lei mais recente sobre o ensino médio, que tratou da alteração, regulamentação e revogação de leis anteriores e da instituição da escola de tempo integral, cuja carga horária atual, de 800 horas, deverá ser ampliada de maneira crescente até alcançar 1,4 mil horas. Esta lei estabeleceu um currículo composto por uma parte comum e uma parte diversificada em função de cinco áreas relativas a Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Sociais e Humanas e Formação Profissional por meio de vivências práticas de trabalho, de modo simulado ou real, e em parceria com outras instituições.

Com fundamento nos princípios da flexibilidade e da autonomia, ela instituiu a diversidade de itinerários formativos e diferentes arranjos curriculares de acordo com as possibilidades dos sistemas de ensino. Recomendou que a organização das áreas deve ser feita de acordo com critérios fixados em cada sistema de ensino, e que o ensino pode ser organizado através de módulos e sistemas de créditos. Determinou ainda que o currículo deverá levar em conta a formação integral do aluno nos aspectos físicos, cognitivos e socioemocionais.

Leia também:  Ensino médio: entre a utopia e o pragmatismo (artigo de Fabrício Maoski, publicado em 17 de fevereiro de 2017)

Leia também: Fechem o MEC (artigo de Luiz Felipe Pondé, publicado em 3 de abril de 2017)

Como pode ser notado, a lei tratou de vários assuntos relevantes pertinentes ao ensino médio. Concedeu uma atenção significativa ao preparo profissional do aluno e mencionou que o currículo precisa considerar também as três dimensões proporcionadoras de seu pleno desenvolvimento. Portanto, ela se mostrou sintonizada com a finalidade da educação estabelecida na Carta Magna e referendada pela Lei de Diretrizes e Bases no que diz respeito a dois de seus aspectos, que são o pleno desenvolvimento da pessoa e sua qualificação para o trabalho.

No entanto, quanto ao preparo para o exercício da cidadania, a lei é totalmente omissa, pois não traz nenhum artigo, parágrafo ou inciso a seu respeito, o que é muito grave. Aliás, a palavra “cidadania” não aparece em nenhuma parte do texto. Assim sendo, não dá para inferir se seus autores a consideraram como um conceito primitivo, um subentendido ou um pressuposto. Levando em conta que, atualmente, a Base Nacional Comum Curricular do ensino médio está sendo elaborada por uma comissão de profissionais, esperamos que esta formação não seja novamente esquecida.

Antonio Carlos Will Ludwig é pesquisador convidado do Laboratório de Gestão Educacional da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
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