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| Foto: John Moore/AFP

Dias atrás, em Miami, os governos dos Estados Unidos e do México deixaram de lado as tensões dos últimos meses para organizar em conjunto uma conferência sobre segurança e governança no Triângulo Norte da América Central, composto por El Salvador, Guatemala e Honduras. Milhares de pessoas fogem da violência extrema nessa região para buscar refúgio nos EUA e no México. Contudo, ver os Estados Unidos e o México na frente das câmeras como organizadores orgulhosos gera dúvidas e certas perguntas.

Por que ninguém está falando do grande muro de Trump? Por que não se mencionam as notórias diferenças ocorridas durante a negociação de um novo acordo comercial para o Nafta? Ainda não sabemos se esses impasses entre os EUA e o México serão “moedas de troca” nessas discussões que afetam a vida de famílias, crianças e comunidades inteiras: essas vidas estão sendo destruídas por gangues poderosas conhecidas como maras e que controlam, de fato, o destino de milhares de pessoas em países como Honduras e El Salvador. Muitos cidadãos não têm outra escolha senão fugir desses países, que têm algumas das taxas de homicídio mais altas do planeta.

Porém, em vez de buscar abordagens humanitárias para a crise nesses países, a Conferência sobre Prosperidade e Segurança na América Central foi basicamente liderada pelo secretário de Segurança Nacional, John Kelly, cuja principal função é controlar as fronteiras dos EUA. Ele convidou os participantes a se “isolarem” na base do Comando do Sul das Forças Armadas dos EUA a fim de discutir soluções para a América Central com entidades governamentais, privadas e atores internacionais de desenvolvimento.

O México faz o papel de chefe da imigração para os Estados Unidos

Ao mesmo tempo, não se pode esquecer que todos esses governos estão obrigados pela lei internacional a proteger essas pessoas que estão fugindo para não morrer. Mas, enquanto os líderes se reuniam para discutir formas de abordar a crise de segurança na América Central, os Estados Unidos já começaram a implementar um dos programas mais ambiciosos de controle de fronteiras dos últimos tempos, afetando diretamente milhares de habitantes da América Central que procuram asilo.

Um relatório lançado no último dia 15 pela Anistia Internacional mostra como essas medidas, que estão sendo criadas de acordo com o decreto sobre Segurança de Fronteiras assinado pelo presidente Trump em 25 de janeiro de 2017, ameaçam repetir as mesmas estratégias mal-sucedidas utilizadas por presidentes norte-americanos desde a década de 1990. Em vez de promover a estabilidade na América Central, implantar patrulhas de fronteiras mais rígidas aumenta comprovadamente a indústria do tráfico de pessoas, contribui com o bolso das poderosas redes criminosas na região e afeta a vida de milhares de pessoas vulneráveis.

As medidas de Trump não só recomendam a construção de um muro como obrigam pessoas a voltar para situações que as colocam em risco de vida, além de aumentar a detenção obrigatória ilegal das pessoas que buscam refúgio. As discussões sobre o assunto precisam abordar o ciclo de migração do início ao fim e não olhar somente para a crise de segurança na América Central, sem criticar as medidas desumanas que estão sendo desenvolvidas pelos EUA para os habitantes da América Central que chegam ao país; são medidas que violam a lei internacional.

Os Estados Unidos não escondem a intenção de que o México tenha papel crucial na obstrução do fluxo de migrantes e pessoas em busca de refúgio que chegam a suas fronteiras pela América Central. Um governo mexicano ansioso para obter ganhos em outras negociações abertas com os EUA pode estar disposto a aumentar os esforços para ser o principal controlador do acesso à fronteira dos EUA.

Demétrio Magnoli:Um passaporte mexicano (20 de abril de 2017)

Alexandre Borges:O mundo é laranja (20 de janeiro de 2017)

A pesquisa feita pela Anistia Internacional mostra como o México faz o papel de chefe da imigração para os EUA, deportando milhares de pessoas da América Central que correm risco de assassinato ou outras violações de direitos humanos. No entanto, o próprio governo mexicano reclama quando o mesmo tratamento que eles implementam é dado a seus cidadãos.

Contudo, os dois governos precisam cumprir os tratados internacionais de direitos humanos que proíbem o retorno de pessoas a situações que as coloquem em risco de vida. Das 113 pessoas do Triângulo Norte ouvidas pela Anistia Internacional nos últimos meses, 86% alegaram ameaças graves à vida como motivo da fuga. Mesmo assim, os governos dos EUA e México são cúmplices nas violações da lei internacional que enviam milhares de pessoas para a morte e, em vez de resolver o problema, ameaçam piorá-lo ainda mais.

Esta crise provavelmente não vai acabar tão cedo. A pergunta agora é quanto sangue os governos estão dispostos a ter nas mãos.

Madeleine Penman é pesquisadora da Anistia Internacional no México. Marselha Gonçalves Margerin é diretora da Anistia Internacional EUA.
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