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 | Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O Brasil vive uma das mais graves crises fiscais de sua história. A previsão de déficits acumulados de R$ 318 bilhões para 2017 e 2018 é a confissão pública da incapacidade do governo para encontrar uma solução para o problema fiscal. O desequilíbrio fiscal será financiado com ampliação da dívida pública, jogando para os próximos anos pressões ainda maiores sobre as contas públicas.

A crise atual é o resultado de dois graves equívocos. A Constituição de 1988 cristalizou um amplo conjunto de direitos sem se preocupar com o tema do seu financiamento. Garantimos, ao menos em tese, a universalização de uma enorme gama de serviços sem nos darmos conta de seus custos. A elevação verificada na carga tributária bruta – de 22,4% do PIB em 1988 para algo em torno dos 35% do PIB nos anos recentes – é, em parte, fruto deste equívoco.

O segundo equívoco ocorreu no ciclo de crescimento da década passada. A elevação da arrecadação tributária permitiu ao governo Lula a ampliação sistemática do gasto. Os resultados fiscais foram superavitários, mas o equilíbrio fiscal passou a depender cada vez mais da manutenção do crescimento. A redução da expansão foi fatal para o resultado fiscal. O governo Dilma equivocadamente acreditou que era necessário manter a trajetória de ampliação dos gastos como forma de estimular a economia. Seu keynesianismo de livro-texto deu errado.

A Constituição de 1988 cristalizou um amplo conjunto de direitos sem se preocupar com o tema do seu financiamento

Some-se a estes dois erros a persistência de baixos níveis de eficiência em diversos serviços, a ampliação dos níveis de corrupção e a manutenção de regalias, e temos os ingredientes finais para entender por que chegamos a este ponto.

Não há solução de curto prazo e indolor para o problema. Dado o elevado patamar de carga tributária, não é recomendável ou justo propor um ajuste através da elevação de tributos, especialmente após a recente elevação dos impostos sobre os combustíveis. Esperar por um novo ciclo de crescimento também não é a melhor saída.

A solução efetiva para a crise fiscal está na redução dos gastos públicos. Temos, no entanto, um problema de ordem prática. As despesas discricionárias, aquelas que podem ser reduzidas, não representam 10% do orçamento do governo federal; quase 90% do orçamento é composto por despesas obrigatórias, boa parte garantidas constitucionalmente. É neste contexto que a reforma da Previdência se torna urgente, já que reduz uma parcela relevante das despesas obrigatórias.

Há, entanto, uma solução que pode ajudar na solução do problema e que vem sendo utilizada de forma marginal. Atualmente, o governo tem um gasto tributário derivado de um conjunto de desonerações tributárias, especialmente para alguns setores privilegiados, entre 4,5% e 5% do PIB. A concessão desses benefícios para setores específicos tem como contrapartida a manutenção de uma carga tributária mais elevada para o conjunto da população.

Leia também:A revisão da meta fiscal (editorial de 17 de agosto de 2017)

Leia também:Eufemismos econômicos (editorial de 24 de julho de 2017)

É importante ressaltar que existem gastos tributários justos do ponto de vista social, mas uma análise mais aprofundada do tema revela a manutenção de privilégios absurdos, especialmente num cenário de restrição fiscal. Para dar um exemplo: é justo que as multinacionais da indústria automobilística recebam, apenas com o programa Inovar-Auto, um benefício fiscal da ordem de R$ 1,217 bilhão em 2017 para pretensamente promover o desenvolvimento tecnológico do setor?

O momento é grave e o enfrentamento da crise fiscal é urgente. Para tanto será necessário repensar nossos critérios do que é socialmente justo e de como o Estado deve financiar os serviços públicos. Precisamos também enfrentar um conjunto de privilégios e ajustar o tamanho do Estado às condições econômicas vigentes.

Marcelo Curado é professor do Departamento de Economia da UFPR.
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