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A decisão da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) que pretendeu superar ordem de prisão do TRF da 2.ª Região ofende a Constituição de 1988. Trata-se de compreender que a Constituição fixa regime jurídico diferenciado para órgãos constitucionais de cúpula, no âmbito dos três poderes da República. Alguns exemplos ilustram a afirmação.

O primeiro relaciona-se às competências para legislar privativas da União, por iniciativa seja do Executivo, seja do Legislativo. São competências delegáveis a estados – por isso privativas, e não exclusivas –, mas que, a princípio, estão imunes à atuação legislativa das unidades estaduais da Federação.

O segundo exemplo diz respeito às competências exclusivas não exatamente da União, mas do Congresso Nacional, exercidas não pela via da legislação ordinária ou complementar, mas via decreto legislativo. As competências, aqui, são indelegáveis, e estão previstas no artigo 49 da Constituição da República.

Se o Supremo é o guardião da Constituição, o que diz, afinal, essa mesma Constituição?

Percebe-se, assim, que no federalismo brasileiro desponta, por razões históricas, uma concentração de competências em nível federal e, ademais, muitos temas exigem disciplina jurídica uniforme que justifica, ao menos em um primeiro momento, uma centralização no âmbito da União.

O terceiro exemplo é justamente o regime jurídico parlamentar, tal qual previsto na Constituição de 1988. Ali, dentre os artigos 53 e 56, encontram-se prerrogativas e vedações inerentes ao mandato. Todavia, nem todas são extensíveis a deputados estaduais e vereadores. No que concerne ao Poder Executivo, por exemplo, prerrogativas relacionadas à prisão, previstas em nível federal ao presidente da República, não se aplicam a governadores e prefeitos, de acordo com entendimento consolidado pelo STF.

Todas essas diferenças de regime jurídico-constitucional justificam-se sobre um princípio inerente ao federalismo brasileiro, que é o princípio da simetria. Simetria, no campo do Direito Constitucional, significa que o constituinte estadual deve organizar seu sistema constitucional tendo como parâmetro o modelo federal. Da simetria resulta que algumas normas constitucionais, em nível estadual, devem reproduzir o desenho federal. Algumas, mas não todas.

Outro lado:Constituição garante competência da Alerj (artigo de Daniel Falcão, professor da USP e do IDP)

A definição dos enunciados normativos de reprodução obrigatória ou facultativa pelos estados tem tido como fonte a jurisprudência do STF, em virtude, justamente, das situações concretas que lhe são levadas a julgamento. Surgem, assim, perguntas: quais as razões para que o Supremo decida pela reprodução obrigatória ou facultativa de uma norma constitucional federal pelo constituinte estadual? Se o Supremo é o guardião da Constituição, o que diz, afinal, essa mesma Constituição? A doutrina afirma que a Constituição constitui uma comunidade política que se reconhece como tal. Então, a comunidade política brasileira – que inclui juristas e não juristas – se reconhece na Constituição que integra e constitui, e da qual fazem parte, também, as decisões do STF?

Como docente e cidadã, arrisco opinar que a dispensa de aval por parte das Assembleias Legislativas estaduais para processo e julgamento de deputados em regime de prerrogativa de foro, tal qual vem decidindo o STJ – e no sentido em que se encaminha o STF –, é decisão acertada e consentânea com os anseios de uma comunidade política (de juristas e de não juristas) que integra, e constitui, todos os dias, a Constituição brasileira de 1988.

Ana Lucia Pretto Pereira, pós-doutora em Processo Constitucional, mestre e doutora em Direito Constitucional pela UFPR, é professora no UniBrasil.
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