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| Foto: Mandel Ngan/AFP/Getty Images

Na última comemoração do Dia Nacional de Oração nos Estados Unidos, em 4 de maio, o presidente americano, Donald Trump, assinou um decreto (Executive Order) que, segundo ele, vai garantir a liberdade de expressão dos líderes religiosos. No evento, estavam presentes lideranças religiosas de várias crenças, inclusive as freiras católicas que foram processadas pelo governo Obama, que pretendeu obrigá-las a oferecer, no estabelecimento de saúde por elas administrado, esterilização e pílulas abortivas, ações estas que afrontam profundamente a fé cristã e, em particular, a fé católica. As religiosas resistiram à determinação, responderam ao processo e, por fim, depois de muitas lutas, foram vitoriosas na Suprema Corte.

Embora um tanto elogiável, é necessário ressaltar porém que o decreto é no mínimo contraditório com o próprio discurso de Trump, pois desde sua campanha à presidência ele teria evidenciado certa aversão aos muçulmanos, sobretudo aos refugiados. Ora, o direito à liberdade religiosa, como princípio de primeira grandeza, deve ser garantido para todas as fés.

O direito à liberdade religiosa, como princípio de primeira grandeza, deve ser garantido para todas as fés

Na prática, Trump intenciona flexibilizar, por meio do IRS (a “Receita Federal” dos EUA), a aplicação da denominada Emenda Johnson (Johnson Amendment), a fim de dar mais liberdade principalmente aos pastores evangélicos e também a outras lideranças religiosas. A mencionada emenda é uma norma proposta pelo então senador Lyndon Johnson que, desde 1954, impõe às entidades imunes a impostos, como é o caso das organizações religiosas, não poder participar de campanhas políticas, vedando que seus líderes usem da posição de influência religiosa para manifestar apoio ou oposição a um determinado candidato e, por óbvio, às ideias que este represente ou defende. Caso as organizações descumpram a regra, deverão pagar tributos e sofrer outras penalidades. Assim, um líder religioso não poderia, por exemplo, mesmo com fundamento teológico, discordar de políticas de inclusão de gênero sexual defendidas por algum candidato.

Com esse decreto, Trump pretende dar ao cidadão religioso mais liberdade para obedecer à própria consciência e aos ditames de sua fé, acima de qualquer determinação legal.

Nossas convicções:O Estado laico

Leia também:O papel da religião no debate público (editorial de 9 de setembro de 2014)

Críticos dizem que, na verdade, Trump afronta a mencionada emenda como um dos pilares de sustentação da separação estatal das organizações religiosas. Pensam dessa forma, como se laicidade fosse sinônimo de conduta antirreligiosa ou laicista. Lamentavelmente, esse conceito equivocado (e às vezes mal intencionado) sobre o Estado laico também existe em terra tupiniquim. Por aqui, alguns alegam que a religião não pode influenciar as políticas públicas, mas esquecem-se, ignoram ou fingem não saber que o Estado laico também não pode se imiscuir nas questões religiosas, como corriqueira e reiteradamente fazem alguns setores públicos brasileiros e como ocorreu também nos EUA, quando Obama violou o direito à crença das citadas freiras.

Absurdo pensar que há mais de 60 anos imposição desse tipo ainda vigore naquele país, que tem fortes e profundas raízes cristãs. Talvez nesse intento o presbiteriano Trump esteja certo. O tempo, porém, vai mostrar a efetividade de seu decreto nas relações entre o IRS e as organizações religiosas. Espera-se que a medida beneficie todas as fés e evite que o Estado se imiscua nas questões religiosas. Isso, sim, é laicidade.

Acyr de Gerone é advogado, vice-presidente da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB/PR e representante da Anajure no Paraná.
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