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| Foto: Zave Smith/Image Source

A ideia já bastante difundida de que as crianças devem ser estimuladas desde o nascimento e que, quanto mais isso for feito, melhores serão os resultados no desenvolvimento dessa criança, permitindo, ao fim e ao cabo, que ela esteja munida de um equipamento cerebral-mental à altura de suas potencialidades, deve ser problematizada.

Evidentemente que os estímulos provocados desde a tenra infância provocam o desenvolvimento em todos os sentidos, o que é bom, e isso é corroborado cada vez mais por pesquisas empíricas. Mas qual é o limite desses estímulos? Mergulhados numa sociedade absolutamente irrequieta, ansiosa e veloz, o fato é que, de uma maneira ou de outra, as crianças absorvem a cultura à sua volta e certamente têm demonstrado isso pela maneira acelerada do seu comportamento.

Uma criança não precisa de estímulo pra descobrir o mundo; ela o descobrirá, queiramos ou não. O que não significa que esses estímulos não possam ser direcionados. No entanto, a questão é sobre o assoberbamento, a sobrecarga, a overdose de estímulos a que as crianças estão sendo expostas, em nome de uma precoce formação de capacidades técnicas, habilidades cognitivas, consciência social, vida ecológica, sem mencionar cursos, treinos, jogos, formações as mais variadas. Evidentemente que as crianças têm conseguido assimilar tudo isso, porque é própria desse tempo da infância a capacidade de absorção dessa massa toda de estímulos – apesar do fato de que cresce o numero de crianças apresentando quadros emocionais problemáticos e inexistentes poucos anos atrás.

A infância deixou de ser uma geografia própria do viver infantil e se transformou em território de especialistas

Chamo a atenção para essa questão, posto que logo depois da infância vem a adolescência, e a segunda causa de morte entre indivíduos de 10 a 19 anos, segundo a OMS, é o suicídio. No Brasil, o crescimento de suicídio entre crianças e pré-adolescentes nos últimos dez anos foi de 40%. Há alguma coisa acontecendo na infância, na maneira como essa infância é vivida, e na adolescência e pré-adolescência, que explica o fenômeno aterrador de suicídios em curso no Brasil.

A infância deixou de ser uma geografia própria do viver infantil, onde a criança vive seu próprio mundo e o constrói de acordo com sua particular inserção, e se transformou em território de especialistas, envolvidos com a maximização do viver infantil de tal maneira que, sei lá quando, a criança possa usufruir de uma capacidade estimulada desde o berço e que trará resultados numa vida adulta presumida.

Assim, a criança não vive a infância: é simplesmente objeto de teorias, hipóteses, experiências, psicologias e pedagogias que visam dar à criança o melhor roteiro para o seu viver. Reafirmo: é fundamental para o desenvolvimento infantil que a criança seja, da melhor maneira possível, estimulada. Não é disso que estou falando. Refiro-me à overdose de estímulo de todo tipo e em todas as direções; pergunto-me se isso não estaria na base de suicídio de crianças, pré-adolescentes e adolescentes.

Se a quantidade de estímulo recebido e assimilado na infância permite à criança uma capacidade extraordinária de entendimento e capacidades cognitivas e técnicas, o mesmo parece deixar de existir da pré-adolescência para a frente. A criança sai de um mundo a ser descoberto, e o faz estimulada à hiperatividade; mergulha, na fase seguinte, em um marasmo de vida, em um ordenamento social e educativo apático e desolador.

Leia também:Os 13 motivos (artigo de Carlos Augusto Loyola, publicado em 24 de abril de 2017)

Francisco Escorsim:13 Reasons Why a baleia é azul (24 de abril de 2017)

É como se o indivíduo que vinha a 180 quilômetros por hora, em sexta marcha, reduzisse em questão de segundos pra 40 por hora, em segunda marcha. Porque isso é o que é a adolescência para quem saiu da infância. Munidos de um cérebro acostumado à hiperatividade, batem num muro adolescente no qual não encontram meios de dar vazão à capacidade desenvolvida na primeira parte da vida.

É cérebro demais para pouca capacidade de existir. O mesmo se dando na infância é estimulo demais para quem nada sabe, nada quer, nada deseja, nada sonha para além de viver a própria infância.

É importante passarmos a problematizar a transformação da infância em um laboratório do adulto futuro que se deseja construir. Não nos esqueçamos de que, entre a infância e o adulto, temos o suicídio como segunda causa de mortes entre adolescentes e pré-adolescentes no Brasil.

Luciano Alvarenga é sociólogo e mestre em Economia.
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