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Felipe Lima

Quem atua na área da regularização fundiária urbana e rural teve uma grande surpresa quando, no apagar das luzes de 2016 (em 23 de dezembro), foi editada a Medida Provisória 759. Alguns a festejaram como um presente de Natal: agora a regularização foi desburocratizada! Outros, porém, que acompanham o tema há anos, têm algumas ressalvas.

A falecida Lei 11.977/2009 era festejada como um grande avanço na normativa, no que se refere à regularização fundiária urbana, por incorporar um conceito completo e abrangente, que compreendia não só a titulação indiscriminada de lotes, mas também a regularização urbanística e ambiental. Qual avanço realmente alcançamos quando são transformados em propriedades diversos lotes sem acesso à infraestrutura básica, como água, luz ou pavimentação? Além disso, alguns requisitos que eram exigidos dos beneficiários dos projetos para evitar um incentivo à grilagem de terra, como tempo mínimo de posse, foram retirados.

Requisitos que eram exigidos dos beneficiários dos projetos para evitar grilagem de terra foram retirados

É preciso compreender que não é à toa que a legislação sempre estabeleceu requisitos diferentes para a regularização fundiária de interesse social (agora Reurb-s) e aquela conhecida como de interesse específico (que agora é somente Reurb). Isso porque há uma grande diferença entre a informalidade decorrente da ação deliberada de agentes promotores de grandes empreendimentos imobiliários para a alta renda – quando estes não respeitam regras urbanísticas e ambientais – e aquela representada pelas ocupações informais das famílias de baixa renda, que ocorrem de forma espontânea pela ausência de políticas públicas que atendam a suas faixas de renda, e pela impossibilidade de essas famílias acessarem o mercado formal. A MP 759 fica muito permissiva ao Reurb, suprime requisitos antes existentes e não prevê contrapartida.

Outra inovação curiosa foi a criação do direito real de laje. A intenção é permitir que seja criado um título de propriedade autônomo para aquelas moradias construídas sobre outras. No direito civil essa realidade já existe; afinal, qualquer edifício segue essa lógica, e é regido como um condomínio. Certamente as regras do condomínio edifício são complexas e de difícil aplicação a casos mais simples, geralmente encontrados em ocupações irregulares. Nesta perspectiva, uma mudança era necessária. O que se pergunta é se era necessário criar um “direito de laje” ou se bastaria criar uma forma simplificada de condomínio. Essa inovação vai permitir a emissão de títulos aos ocupantes de lajes, o que era impossível antes. Mas como se dará essa regularização sem que o terreno ou mesmo o loteamento esteja também regular? Esta é uma dúvida que a MP não responde.

Mesmo que a intenção seja simplificar os processos, a realidade é complexa. Não basta somente uma modificação legislativa para tornar tudo simples. A proposta de Hernando de Soto para acabar com a pobreza titulando lotes informais já foi superada. Afinal, não é de propriedade regularizada que necessitam as milhares de famílias ocupantes de áreas irregulares de baixa renda, mas sim de políticas públicas e acesso a uma condição digna de vida. Neste cenário, a titulação é a última etapa do processo.

Outra, contudo, é a demanda dos condomínios clandestinos e grileiros de terras públicas, especialmente na Amazônia e em áreas ambientais protegidas. Estes, sim, saem felizes com o presente de Natal.

Luana Xavier Pinto Coelho é coordenadora da ONG Terra de Direitos e integrante da coordenação do Fórum Nacional de Reforma Urbana.
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