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“Quem manda aqui sou eu.” A ministra-relatora Carmen Lúcia não precisou completar o velho refrão popular na histórica decisão da última quarta-feira que sepultou as mordaças e liberou a publicação de biografias não autorizadas.

A ministra dispensou o complemento porque a proclamação não é dela, é da suprema corte (a decisão foi unânime), inspirada na Constituição e nos princípios que regem o Estado Democrático de Direito.

Resposta solene, altiva, firme e endereçada aos acabrunhados pelos espetáculos oferecidos em outro canto da Praça dos Três Poderes em Brasília. Naquela mesma tarde, a bancada evangélica da Câmara dos Deputados com o discreto apoio católico interrompeu a carnavalesca discussão sobre a reforma política para celebrar um culto religioso em plenário diante do presidente da Casa, Eduardo Cunha, em protesto pelas profanações que teriam sido cometidas durante a Parada Gay no domingo anterior.

É possível que alguns magistrados que sepultaram a censura prévia não endossem todas as premissas libertárias de seus colegas

Cena inédita nos anais de uma república que se considera laica, só foi contestada pelo deputado Roberto Freire (PPS-SP). No dia seguinte, o pastor-milionário Silas Malafaia saiu-se com o estapafúrdio raciocínio de que “o estado pode ser laico mas o povo não é laico”.

É possível que alguns magistrados que sepultaram a censura prévia no plenário do STF não endossem todas as premissas libertárias de seus colegas. Porém, ao perceber que votavam uma cláusula pétrea da Constituição, não havia como escapar de um voto cabal e severo. O caráter histórico da sessão do STF tem muito a ver com o teor da deliberação, mas também com o seu aspecto formal – manifestação categórica, inquestionável, inequívoca –assumida num momento em que as instituições parecem assentes em geleia e as lideranças políticas exibem-se exangues e desossadas.

A votação da reforma política engendrada e capitaneada pelo sumo-sacerdote Eduardo Cunha está produzindo um monstrengo desprovido de qualquer inteligência e lógica, incapaz de gerir um Estado moderno e servir a uma sociedade que já consegue enxergar suas mazelas, mas ainda incapaz delivrar-se delas.

A triunfante proclamação “o cala boca já morreu” proferida no plenário do STF foi gerada pela paranoia de um cantor-compositor, visivelmente defasado, instrumentado por uma agente e promotora de eventos que conseguiu arregimentar outras estrelas da música popular sob a pueril alegação de que os biógrafos querem apenas cevar-se na fama das celebridades e abiscoitar parte de suas fortunas.

A precariedade desta argumentação e a pobreza do elenco original conseguiram armar um dos mais acirrados debates sobre a liberdade de expressão dos últimos tempos. Este primarismo justifica o recurso retórico da ministra Carmen Lúcia ao utilizar um popularíssimo refrão – que em outras circunstâncias poderia parecer impróprio e demagógico – para encerrar a impertinente e infeliz pendência deflagrada pelo “rei” Roberto Carlos para satisfazer a sua onipotência. Assunto encerrado.

Alberto Dines é jornalista.
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