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No ano de 2010, Atlanta sediava o encontro anual da American Economic Association, uma das organizações mais respeitadas em economia no mundo. Participando da conferência, o então presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, exibiu um gráfico que mostrava uma relação entre a entrada de capitais e o preço dos imóveis em países desenvolvidos. Uma rápida olhada e seria possível concluir que quanto maior a entrada de capital, maior o preço dos imóveis nesse país.

Essa hipótese era defendida por Bernanke havia tempos. Segundo ele, nos anos 2000 houve um forte fluxo de capital de países emergentes para países desenvolvidos. Com esse excesso de capital, as taxas de juros caíram. As pessoas puderam pegar mais empréstimos e passaram a consumir e investir mais. Entre esses investimentos estavam os imóveis, cujo excesso de demanda teria gerado uma euforia no mercado e o irracional aumento dos preços, que teria resultado na crise de 2008.

Bernanke tinha uma explicação convincente, mas um método frágil. Na grande maioria dos casos, uma simples relação entre duas variáveis não é sinônimo de causa. Por exemplo, quanto maior a probabilidade de chover, maior o número de guarda-chuvas nas ruas, mas claramente não é a utilização deles que aumenta a quantidade de chuva, e sim o contrário.

Ben Bernanke tinha uma explicação convincente, mas um método frágil

Então, nos perguntamos: será que o fluxo de capital de fato foi a causa do aumento dos preços dos imóveis? Essa pergunta é válida pois, neste caso, a associação entre as duas variáveis poderia refletir três coisas diferentes: ou o fluxo de capital causou o aumento o preço dos imóveis (era a sugestão de Bernanke); ou a própria alta do preço dos imóveis atraiu mais capital externo (relação inversa à de Bernanke); ou algum outro evento no mundo impactou ambas as coisas. Qual das três opções era de fato a verdadeira?

Analisamos o caso do Reino Unido, que nos últimos 25 anos apresentou um crescimento de mais de 300% no preço dos imóveis. Para saber se x é a causa de y, economistas escolhem alguma terceira variável que tenha extrema relação com x (fluxo de capitais), mas que não altere y (o preço dos imóveis). Os gastos militares dos Estados Unidos poderiam ser um bom candidato. Pode parecer estranho, mas há explicação. Desde 1990 os Estados Unidos já gastaram mais de US$ 1 trilhão em guerras, uma decisão política e não econômica. Portanto, esses gastos adicionais passam por países que são parceiros comerciais, como o Reino Unido. Como é um valor nada desprezível, isso alteraria o fluxo de capital de maneira significativa.

Utilizando esse método, obtivemos a nossa resposta. Não, não foi o fluxo de capital que aumentou o preço dos imóveis no Reino Unido nos últimos 25 anos. Então, o que provocou a alta no preço dos imóveis?

Como a sugestão de Bernanke não se aplica, restam-nos as outras duas hipóteses. De fato, outras pesquisas mostram que a valorização dos imóveis atraiu capital externo para esses mercados. Além disso, nos anos 90 o mundo passou por um afrouxamento nas políticas de crédito, incentivando o consumo para as camadas mais baixas. Logo, houve um aumento na oferta de crédito, o que possibilitou (e de fato isso aconteceu) a uma empregada doméstica ter três imóveis.

Se pudéssemos extrapolar esse resultado para os Estados Unidos, poderíamos dizer que não foi o excesso de capital de países emergentes que provocou a crise, como sugeriu Bernanke. Deixem a mobilidade de capital fora disso!

Leonardo de Siqueira Lima é economista pela FGV e mestrando em Economia pela Barcelona Graduate School of Economics (Pompeu Fabra). A dissertação resumida neste artigo também teve a participação de Federico Pelayo (Argentina), Ozlem Ozaltin (Turquia), Skeet Singleton (Estados Unidos) e Yordan Ugarte (Peru).
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