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No fim de outubro, o Senado aprovou projeto de lei da Câmara dos Deputados, que permite ao Banco Central e à Comissão de Valores Mobiliários firmar acordos de leniência, aumentando, também, as penas impostas pela prática de crimes financeiros. O PLC 129/2017 deve ir para sanção presidencial e, se não houver vetos, definirá infrações, penas, medidas coercitivas e meios alternativos de solução de controvérsias aplicáveis aos bancos e outras instituições supervisionadas pelo BC e pela CVM.

Como principal inovação do projeto de lei, o texto permite que os órgãos regulatórios celebrem “acordo administrativo em processo de supervisão com pessoas físicas ou jurídicas que confessarem a prática de infrações às normas legais ou regulamentares cujo cumprimento lhe caiba fiscalizar”. O acordo de leniência permitirá a extinção da ação punitiva ou a redução de um terço a dois terços da penalidade aplicável, desde que a colaboração seja efetiva.

As novas normas se transformam em uma lei penal encoberta, aplicável para pessoas físicas e jurídicas

As penalidades previstas na lei são expressivas, sendo aplicáveis de forma isolada ou cumulativa: admoestação pública; multa de até R$ 2 bilhões; proibição de prestar determinados serviços; proibição de realizar determinadas atividades ou modalidades de operação; inabilitação para atuar como administrador e para exercer cargo estatutário para pessoas físicas; e cassação de autorização para o funcionamento. O PLC também prevê a adoção de medidas coercitivas e acautelatórias pelo BC e CVM, além de permitir que os órgãos reguladores firmem acordo de leniência no âmbito das infrações previstas no texto, a “colaboração premiada” das pessoas jurídicas.

Todas essas previsões legais nos levam a questionar qual é a real natureza da norma. Ela parece ultrapassar o caráter administrativo, adentrando na seara do Direito Penal Material em seus dispositivos – sem a aplicação das garantias conferidas pelo Direito Penal e pelo Direito Processual Penal. Tal como ocorrido na Lei Anticorrupção (12.846/13), o texto apresenta-se como norma administrativa, descrevendo “infrações” em vez de “crimes” e prevendo “sanções” em vez de “penas”, inclusive a forma como se dará sua “dosimetria”, em seu artigo 10. O texto prevê um processo administrativo sancionador que muito se assemelha ao rito processual penal, só que presidido por uma autarquia pública.

Independentemente do nome dado à lei, o fato é que as infrações, a gravidade das sanções e o rito processual ultrapassam as normas expressamente incriminadoras, utilizando-se de diversas lógicas penais de modo a se transformar em uma lei penal encoberta, aplicável para pessoas físicas e jurídicas.

Leia também:Punir os culpados, salvar as empresas (artigo de José Pio Martins, publicado em 12 de outubro de 2017)

Leia também: O petrolão e os acordos de leniência (editorial de 6 de março de 2015)

A proposta de lei segue a tendência internacional de adotar sistemas de “autorregulação regulada”, no qual o Estado estabelece premissas de controle e as empresas se adequam à nova realidade através de seus códigos de conduta, com a implementação de padrões de compliance e gerenciamento de riscos criminais. O PLC 129/2017 significa o lento caminhar para a futura admissão da responsabilização criminal de pessoas jurídicas, como já acontece na Espanha, Inglaterra e França, e que hoje, no Brasil, é admitido apenas em crimes ambientais.

É certo que a previsão do acordo administrativo, como referido na lei, possui exatamente a mesma lógica do acordo de colaboração premiada prevista na lei de organização criminosa (Lei 12.850/2013), sendo facultado, contudo, ao BC e à CVM. A ausência do devido controle judicial acarreta no risco de o instrumento de leniência ser utilizado de maneira abusiva, assim como o processo administrativo sancionador, sujeitando os infratores a sanções muito mais pesadas do que o nosso sistema penal já prevê.

A experiência espanhola, que em 2003 instituiu sanções administrativas aplicáveis às pessoas jurídicas e, em 2010, adotou a responsabilidade penal das empresas, nos mostra que o Brasil segue na mesma direção, com a lenta transição de leis de caráter administrativo para um caráter penal oculto. Se sancionado, podemos ver uma responsabilização administrativa severa cada vez mais frequente às instituições financeiras e seus diretores.

Vinícius Cim é advogado especialista em Direito Penal Econômico.
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