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 | Antonio Costa/Arquivo Gazeta do Povo
| Foto: Antonio Costa/Arquivo Gazeta do Povo

Arrogância, precipitação e superficialidade têm sido, na opinião de James Fallows, autor do afiadíssimo Detonando a Notícia, a marca registrada de certos setores da mídia norte-americana.

A crítica, contundente e despida de corporativismo, produziu reações iradas, alguns aplausos entusiásticos e, sem dúvida, uma saudável autocrítica. A síndrome não reflete uma idiossincrasia da imprensa estadunidense. Trata-se de uma patologia universal. Também nossa. Reconhecê-la é importante. Superá-la, um dever. Fallows questiona, por exemplo, a aspiração de exercer um permanente contrapoder que está no cerne de algumas matérias. O jornalismo doutrinário do passado, vestígio dos baronatos da imprensa brasileira, ressurge frequentemente sob o manto protetor do dogma do ceticismo. A investigação jornalística não brota da dúvida necessária, da interrogação inteligente. Nasce, muitas vezes, de uma cascata de preconceitos.

Estamos carentes de informação e faltos da boa dialética

A fórmula de um bom jornal reclama uma balanceada combinação de convicção e dúvida. A candura, num país marcado pela tradição da impunidade, acaba sendo um desserviço à sociedade. É indispensável o exercício da denúncia fundamentada. Precisamos, independentemente do escárnio e do fôlego das máfias da corrupção imparável e infinita, perseverar num verdadeiro jornalismo de buldogues. Um dia a coisa vai mudar. E vai mudar graças também ao esforço investigativo dos bons jornalistas. Essa atitude, contudo, não se confunde com o cinismo de quem sabe “o preço de cada coisa e o valor de coisa alguma”. O repórter, observador diário da corrupção e da miséria moral, não pode deixar que a alma envelheça. Convém renovar a rebeldia sonhadora do começo da carreira. O coração do foca deve pulsar em cada matéria.

A precipitação é outro vírus que ameaça a qualidade informativa. Repórteres carentes de informação especializada e de documentação apropriada ficam reféns da fonte. Sobra declaração, mas falta apuração rigorosa. A incompetência foge dos bancos de dados. Troca milhão por bilhão. E, surpreendentemente, nada acontece. O jornalismo é o único negócio em que a satisfação do cliente (o leitor) parece interessar muito pouco. O jornalismo não fundamentado em documentação é o resultado acabado de uma perversa patologia: o despreparo de repórteres e a obsessão de editores com o fechamento. A chave de uma boa edição é o planejamento. Quando editores não formam os seus repórteres, quando a qualidade é expulsa pela ditadura do deadline, quando as entrevistas são feitas pelo telefone e já não se olha nos olhos do entrevistado, está na hora de repensar todo o processo de edição.

O culto à frivolidade e a submissão à ditadura dos modismos estão na outra ponta do problema. Vivemos sob o domínio do politicamente correto. E o dogma do politicamente correto não deixa saída: de um lado, só há vilões; de outro, só se captam perfis de mocinhos. E sabemos que não é assim. O verdadeiro jornalismo não busca apenas argumentos que reforcem a bola da vez, mas também, com a mesma vontade, os argumentos opostos. Estamos carentes de informação e faltos da boa dialética. Sente-se o leitor conduzido pela força de nossas opções políticas e ideológicas.

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Registremos, ademais, os perigos do jornalismo de vazamento. Os riscos de instrumentalização da imprensa são evidentes. Por isso, é preciso revalorizar, e muito, as clássicas perguntas que devem ser feitas a qualquer repórter que cumpre pauta investigativa: checou? Tem provas? A quem interessa essa informação? Trata-se de eficiente terapia no combate ao vírus da leviandade.

A força de uma publicação não é fruto do acaso. É uma conquista diária. A credibilidade não combina com a leviandade. Só há uma receita duradoura: ética, profissionalismo e talento. Navega-se freneticamente no espaço virtual. Penso, no entanto, que há uma crescente nostalgia de conteúdos editados com rigor, critério e qualidade técnica e ética. Nunca foi tão valiosa e necessária a informação substantiva. O leitor, cada vez mais crítico e exigente, quer notícia.

Carlos Alberto Di Franco é jornalista.
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