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O protocolo bitcoin surgiu em 2009 como uma proposta mais simples e mais barata para se enviar e receber valores entre quaisquer partes conectadas à sua rede. Parte significativa da elegância e da praticidade do sistema está justamente no fato de que não é preciso pedir permissão a alguém para fazer isso. Pode parecer trivial, uma simples evolução tecnológica como tantas outras, mas se trata de algo muito mais complexo.

Por muitos séculos, se pensarmos nos bancos; ou por milênios, se pensarmos nos governos, é nítido que certas instituições e empresas estiveram sob controle disso tudo desde sempre. Se enviar US$ 50 do Brasil ao Japão é um ato de bravura por parte de quem envia e um grande exercício de paciência para quem recebe, em boa medida isso se deve a dois fatores: burocracia e obsolescência tecnológica. Quanto aos fatores técnicos, é possível dizer de forma categórica que, desde o lançamento e a consolidação do bitcoin, não se trata mais de um impeditivo para inúmeros casos de uso (como remessas internacionais). Embora, claro, o bitcoin ainda tenha muito a melhorar à medida que atualizações são lançadas e a adoção por novos usuários segue crescendo vertiginosamente.

Quanto à burocracia que ainda paira sobre as mais variadas formas tradicionais de pagamento, por que acreditar que, sob a bênção de uma anônima e enigmática figura (Satoshi Nakamoto), uma legião de geeks, libertários, startups, curiosos e usuários comuns conseguiria mudar o jogo tão facilmente? Afinal, se a burocracia é cara, há alguém ganhando dinheiro com ela. E esses antigos incumbentes não necessariamente estão felizes com a situação. Ou, para ser mais claro: eles definitivamente não estão nada satisfeitos em ter de abrir mão da lucratividade de seus negócios ou do poder que adquiriram intermediando transações ou até mesmo com a própria emissão do dinheiro que utilizamos rotineiramente.

Pressões corporativas e agentes do Estado querem coibir ou atravancar o avanço do bitcoin

Movimentos de combate à natureza colaborativa e descentralizada do bitcoin têm vindo de todos os lados. Um encontro corporativo a portas fechadas alega ter celebrado o “Acordo de Nova York”, o qual selaria o interesse das partes interessadas em lançar no protocolo bitcoin uma atualização que faria com que a rede fosse capaz de processar mais transações. No entanto, embora soe interessante à primeira vista, uma parcela importante desse “acordo” não foi consultada: os usuários.

Existentes às dezenas de milhões em todo o mundo e às centenas de milhares no Brasil, são os clientes, e não um punhado de empresas ou meia dúzia de grandes mineradores, os responsáveis pelo sucesso estrondoso e pela alta vertiginosa em preço que o bitcoin testemunhou principalmente ao longo dos últimos quatro anos. Essas empresas e mineradoras, embora tenham imprescindível papel no ecossistema, na adoção e na segurança da tecnologia, não podem esquecer de atender aos anseios de quem é realmente soberano nessa história: os clientes, os usuários comuns. São eles os responsáveis pela descentralização e pela imutabilidade das transações em bitcoin que, afinal, são o grande motor de seu valor, combinadas aos menores custos e prazos, e ao fato de ninguém precisar fornecer dados pessoais para usar bitcoins.

O que às vezes vem fantasiado de inovação pode, na verdade, ser um mecanismo para retirar dos usuários parte do controle e das atribuições que têm no protocolo. Não sendo motivo de espanto, isso guarda uma clara correlação com o aumento na lucratividade e no poder desses atores para os quais a descentralização e a natureza colaborativa da tecnologia parecem não contar tanto.

Leia também: O fim do dinheiro como o conhecemos (artigo de Christian Geronasso e Patrick Silva, publicado em 8 de setembro de 2017)

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Somam-se às pressões corporativas o anseio autoritário ou mal informado de alguns agentes do Estado, também interessados em colocar suas mãos para coibir ou atravancar o avanço do bitcoin. Afinal, embora tenha seus problemas, ele é imune a políticas monetárias ruins ou a confiscos. Nesse sentido – e isso não foi motivo de grande surpresa –, o governo pouco democrático da China lançou inúmeras ações voltadas até mesmo à proibição de moedas digitais em seu território.

No estado norte-americano de Nova York, a famigerada BitLicense surgiu de forma aparentemente inocente, querendo “regular” as empresas que atuam com bitcoin na região, quando na verdade impôs uma série de restrições e altos custos. Ou seja, pequenas startups passavam, ironicamente, a ter de se submeter à burocracia de um grande banco. Logo, a principal consequência dessa tentativa estapafúrdia de regulação foi fazer com que muitas das principais empresas do ramo atuantes nos EUA passassem a não mais oferecer seus serviços em Nova York. Em resumo: todos perderam. E pior: pode ter gente querendo fazer algo parecido no Brasil, por isso é bom ficar atento.

Querem botar as mãos nos seus bitcoins, e por isso todo cuidado é pouco. Essa tecnologia é uma revolução em curso e cuidar dela é uma tarefa para cada um de nós.

Gabriel Aleixo é co-fundador da A Star.
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