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| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

O que estabelece a Constituição está acima da esfera de ação das autoridades? Em outros termos: as garantias fundamentais devem ser respeitadas por todos os brasileiros, inclusive pelos que exercem cargos e funções nos mais altos níveis do poder? Ou não?

A resposta é evidentemente positiva. O Estado Democrático de Direito pressupõe o respeito à lei e à Constituição, que é a suprema lei do país. A Carta Política, promulgada em nome do e pelo povo brasileiro, é o conjunto de mandamentos com princípios e regras a serem cumpridas por todos.

No dia 7 de outubro, foi divulgada a decisão da juíza da 12.ª Vara Federal de Brasília, que determinara a quebra do sigilo telefônico de Murilo Ramos, colunista da revista Época. A ordem judicial visava identificar uma das fontes do jornalista, autor de matéria que revelara contas secretas na Suíça. A juíza acolheu pedido do delegado João Quirino Florio. Segundo a decisão, “verifica-se a razoabilidade e a necessidade da medida investigativa proposta, especialmente porque o jornalista que poderia identificar a pessoa que lhe forneceu as informações sigilosas recusou-se a fazê-lo, alegando o direito de preservar o sigilo da fonte”.

O sigilo da fonte é irmão siamês da liberdade de informação

Diante da fundamentação utilizada, cabe a pergunta: o direito de preservar o sigilo da fonte não está previsto no art. 5.º, inciso XIV da Constituição Federal? Não é ele quem estabelece ser “assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”? E a recusa do jornalista não está autorizada pelo artigo 8.º do seu Código de Ética?

A flagrante inconstitucionalidade causou enorme repercussão. Já no dia seguinte, a Associação Nacional dos Editores de Revistas (Aner), a Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ) afirmaram que “não há jornalismo e nem liberdade de imprensa sem sigilo da fonte, pressuposto para o pleno exercício do direito à informação”. De igual forma, a OAB, em nota oficial, considerou inaceitável a violação à garantia constitucional, afirmando que “não se combate o crime cometendo outro crime”.

De fato, nem mesmo a gravidade do crime pode ser justificativa para a violação do sigilo da fonte. Valem aqui as prudentes palavras de Ruy Barbosa: “quanto maior a enormidade do crime, maior a precaução no julgar”.

Não há dúvida de que tal proteção deve ser respeitada por todas as autoridades do Poder Judiciário. Em recente julgamento, o STF, por seu decano, ministro Celso de Mello, reiterou que a prerrogativa do jornalista de preservar o sigilo da fonte é oponível a qualquer pessoa, inclusive aos agentes e autoridades do Estado (Rcl 21504 AgR/SP, j. 17.11.2015).

Diante da flagrante inconstitucionalidade, a Aner impetrou habeas corpus perante o TRF da 1.ª Região, que deverá se pronunciar nos próximos dias.

O lamentável episódio não pode se repetir e muito menos ganhar jurisprudência. O sigilo da fonte é irmão siamês da liberdade de informação. Tal liberdade pressupõe os direitos de informar, de se informar e de ser informado, sem os quais não há Estado de Direito e muito menos democracia.

René Ariel Dotti, advogado e professor universitário, é autor de Proteção da vida privada e liberdade de informação. Rogéria Dotti, advogada, é mestre e doutoranda pela UFPR.
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