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Anúncio destacado em alguns jornais desta sexta informa que a alemã BMW, uma das marcas de veículos mais prestigiosas do mundo, sonho de consumo, está chamando de volta os proprietários de determinados modelos e anos de fabricação a procurarem seus representantes para trocar sem ônus a bomba de combustível e alertando para os graves perigos que podem ocorrer caso a substituição não seja realizada. Com isso o fabricante considera-se quite com os consumidores que acreditaram na excelência de seu produto.

O recall funciona acoplado ao modelo do voto distrital porque é um instrumento da democracia direta

Recalls têm ocorrido na indústria de brinquedos, games e até na farmacêutica, inegável avanço num sistema econômico que privilegia a escala e a produção em massa em detrimento de métodos que favorecem a qualidade.

A imparável dinâmica democrática permitiu que a lógica do recall fosse estendida a outro tipo de escolha: a dos cidadãos para exercer determinadas funções públicas, depois da devida avaliação de seu desempenho. A Suíça, primeiro Estado a adotar o sistema republicano na modernidade (a Veneza renascentista teria sido a precursora), adotou o recall no século 19 (1846).

Nos Estados Unidos o sistema funciona há 100 anos em todos os níveis até o governo estadual (já houve substituições na Dakota do Norte e na Califórnia), sendo mais utilizado nas primeiras instâncias, em âmbito comunitário (xerife, juiz, procurador do ministério público e, talvez no futuro, ouvidor e ombudsman).

Convém registrar com a necessária ênfase, veemência e absoluta clareza que o recall não vale para instâncias nacionais. O recall funciona acoplado ao modelo do voto distrital porque é um instrumento da democracia direta. O regime parlamentarista elimina o recall porque lhe é inerente a possibilidade do voto de desconfiança e a convocação de novo pleito quando o partido governante não consegue formar nova maioria.

Como este observador não é o feliz proprietário de um BMW, o fato que o levou a refletir sobre a utilidade do recall é um produto recente, até a pouco desconhecido, agora com enorme visibilidade, embora saído de uma linha de montagem obsoleta, necessitada de reformas imediatas, incapaz de identificar ingredientes nefastos e notórios defeitos de fabricação.

O deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), não corre o menor risco de ser deposto pelos companheiros que o colocaram na presidência da Câmara Federal, tantas são as promessas e privilégios que oferece (sempre às custas do erário e, portanto, dos contribuintes). Porém implantado o voto distrital e admitido o instrumento do recall, o poderoso Senhor Congresso fica mais vulnerável. Ou deveria ficar mais atento aos caprichos dos deuses que abominam a arrogância e os delírios onipotentes.

Eduardo Cunha pode continuar a sua performance esquizofrênica aprovando um reforço no ajuste fiscal e, no momento seguinte, neutralizando-o com um tremendo aumento nos gastos. O que não pode é ameaçar a estabilidade institucional e a harmonia entre os poderes, peças-chave da República, ao chantagear indecentemente o procurador-geral da República – e aqueles que podem mantê-lo no cargo – como vingança pessoal por ter sido incluído formalmente no processo do petrolão.

Eduardo Cunha conhece o regimento, mas evidencia grande ignorância em matéria histórica. Não sabe que o povo nas ruas exigindo o fim da corrupção pode produzir recalls surpreendentes.

Alberto Dines é jornalista.
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