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No mesmo dia em que se confirmava a denúncia do procurador-geral da República contra Eduardo Cunha, presidente da Câmara Federal, a ministra do STF Cármen Lúcia declarou que o povo brasileiro sabe o que não quer, porém “as pessoas boas” precisam expressar o que querem – com “a ousadia dos canalhas”.

Mineira legítima, a vice-presidente da nossa suprema corte consegue ser veemente e arrasadora com a naturalidade de quem dá um bom-dia. Impedida de manifestar-se sobre um processo que ainda não examinou, tem sido capaz de oferecer aos vacilantes conceitos certeiros e opiniões inequívocas.

A verdade é que o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) é dono de um potencial de ousadias suficiente para transformar a grave crise de governança que atravessamos em impasse institucional. O rol de malfeitorias e as penas solicitadas pelo Ministério Público eram suficientemente fortes para que na denúncia constasse a necessidade de afastar de imediato o acusado da função que exerce.

Eduardo Cunha é ousado porque não lhe sobram alternativas. Joga perigosamente porque não conhece outro jogo

O procurador Rodrigo Janot preferiu não confrontar o STF antecipando-se ao seu julgamento e, com isso – a contragosto, certamente –, garantiu ao denunciado o cenário e a audiência para uma performance de pelo menos seis meses num gênero de farsa que domina como poucos.

Eduardo Cunha é ousado porque não lhe sobram alternativas. Joga perigosamente porque não conhece outro jogo. Arrisca-se porque não tem o que perder, tal é o seu nível de desapreço por si mesmo. Suas apostas raramente são as mais recomendáveis e os predicados que o ajudaram a se projetar de forma tão surpreendente são geralmente mencionados com discrição e/ou eufemismos. Para evitar incômodos e incompreensões.

Impróprio qualificá-lo como kamikaze (do japonês “vento divino”) porque aqueles pilotos suicidas nipônicos, celebrizados durante a Segunda Guerra Mundial, se imolavam com pretextos espirituais e místicos. Já o personagem que domina as manchetes nos últimos dias, picado pela ambição e fanatismo, só pensa em si mesmo.

Como qualquer cidadão, Eduardo Cunha tem o direito de se defender, bem como de servir-se dos instrumentos do Estado de Direito para provar a sua inocência. Mas em seu benefício não pode usar o poder que a sociedade lhe conferiu para preservar apenas o interesse público.

Ao garantir que permanecerá na presidência da Câmara, Eduardo Cunha não percebe que está oferecendo prova cabal da sua onipotência e periculosidade. Quem é acusado de abusar do poder durante tanto tempo e através de tantos ilícitos não tem credibilidade para garantir doravante um comportamento isento, insuspeito e imparcial.

Eduardo Cunha não pode continuar no cargo. O país não pode ser submetido à vergonhosa situação de manter no primeiro escalão alguém tão comprometido com a delinquência.

É indecorosa e quase obscena a ambiguidade da oposição oferecendo um suporte ao denunciado pela facilidade de que dispõe de acionar um processo de impeachment da presidente da República. O que se espera da oposição, e especialmente do PSDB, é uma outra espécie de ousadia: a dos decentes e honrados.

Alberto Dines é jornalista.
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