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A jovem democracia brasileira vive dias de forte tensão e provação. Escândalos de corrupção, crise econômica e política, desemprego, protestos e violência. Parece que a grande máquina do Estado está fora dos trilhos e segue desgovernada, carregando junto de si todo o restante do corpo social. O problema é sério e extremamente complexo. A solução também!

Neste breve texto objetivamos tratar sobre uma das várias reivindicações por parte da sociedade: a justiça. Muitos pedem justiça. Uns querem justiça social, outros exigem justiça penal, outros, ainda, esperam por justiça divina. Mas, afinal, de que falamos quando falamos de justiça? Para responder essa pergunta, pretendemos recorrer às concepções clássicas de justiça, sobretudo aquelas de origem helênica. Sócrates é a enigmática figura escolhida para este debate.

Sócrates decidiu demonstrar com a própria vida seu ideal de justiça, negando a teorização

Prolífero expoente da filosofia grega clássica, Sócrates é um dos primeiros filósofos a tratar do tema de forma vigorosa. Porém, preferiu demonstrar com a própria vida seu ideal de justiça, negando a teorização. Ao ser julgado e condenado injustamente pelo conselho de juízes de Atenas, por volta do ano 399 a.C., aceita pacificamente a condenação imposta e afirma solenemente que “é preciso que o homem bom cumpra a lei má, para que homem mau aprenda a cumprir a lei boa”. Com seu exemplo de vida, demonstrou de forma inegável que a justiça é fruto da obediência às leis do Estado, e que nenhum homem, seja ele quem for, está acima destas leis. Nessa asserção é possível vislumbrar, como que por antecipação, aquele componente que vai se tornar primordial para a filosofia jurídica moderna, a saber, o direito positivo.

O Mestre de Platão, mesmo ciente de que a condenação era arbitrária e, por isso, injusta, acatou a pena imposta. Sua postura pode parecer equivocada diante dos olhares apressados, mas esconde (ou revela de forma clara e evidente) que a obediência às leis é o que difere o homem civilizado do bárbaro. Além do mais, sabia o Filósofo que as leis eram a expressão máxima da concordância entre os cidadãos da polis, e que descumprir a lei equivaleria a ferir de forma direta todos aqueles que fazem parte do acordo que dá origem a essa mesma lei. Sócrates é um predecessor do “contratualismo” e defende esse contrato, pois sabe que a lei nasce do acordo firmado (contratado) entre os homens.

O exemplo de Sócrates serve hoje como paradigma para a justiça. Na era dos direitos humanos, em que cada qual evoca para si seus direitos e, muitas vezes, esquece seus deveres, o pensador antigo nos recorda que a justiça se faz na prática, não apenas no discurso eminente. É preciso recordar que a filosofia professada por Sócrates parte do postulado do autoconhecimento. Acreditava que o homem conhecedor da sua própria alma (interioridade) estaria mais apto a discernir entre o bem e o mal, o certo e o errado, o justo e o injusto. E, deste modo, poderia contribuir com a construção de uma sociedade mais autêntica e verdadeiramente justa.

Ainda no que tange à justiça, não se pode negligenciar o fato de que estamos tratando de um jusnaturalista, o qual reconhece como legítima a existência de leis não escritas e de caráter universal, que têm uma origem divina. Essas leis partem de uma premissa basilar que exorta: “fazer o bem e evitar o mal”. Nesse sentido, para concluir, Sócrates aponta para o fato de que o homem conhecedor da sua própria alma está mais qualificado a se dedicar à prática da justiça, uma vez que traz dentro de si a capacidade para fazer o bem e evitar o mal.

Edimar Brígido, doutorando em Filosofia pela PUCPR, é professor de Filosofia e Ética na Unicuritiba.
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