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Nos anos 1970, quando o pessoal que hoje se dedica à política partidária e à sangria da Petrobras preferia assaltar bancos e sequestrar aviões e embaixadores, era comum que, após um atentado especialmente vicioso, vários grupelhos de extrema-esquerda assumissem a autoria. Tal busca da infâmia já não era, então, novidade alguma: na mesma data de hoje, 356 anos antes de Cristo, o – dizem – belíssimo templo de Diana, em Éfeso, foi destruído por Heróstrato, um vândalo que buscava apenas tornar-se famoso. Uma das Sete Maravilhas do Mundo serviu de combustível para o brilho da infâmia individual de um louco. Funcionou: acabo de escrever-lhe o nome.

Hoje em dia, o mesmo ocorre nos atentados islâmicos, com a agravante de que hoje o perpetrador imediato em geral morre junto com suas vítimas. O Estado Islâmico, porém, hoje sempre assume a autoria ou, pelo menos, a inspiração, seguindo nisso o exemplo de seus antecessores no terrorismo salafista, nacionalista ou comunista. Os coletivos terroristas, islâmicos ou não, são organizações que vivem da infâmia, percebida por eles como glória. Os autores imediatos desaparecem do noticiário e da memória, mas persistem a data e a autoria “coletiva” da ideologia.

Cada atentado serve como propaganda de alistamento

No caso do terrorismo islâmico atual, trata-se na verdade de um processo de ressignificação negativa do Ocidente. O 14 de Julho não é mais apenas o dia da Queda da Bastilha; por um bom tempo, não se poderá mais falar dela sem falar do atentado de Nice, em que o número menor de vítimas torna-se irrelevante diante da brutalidade absurda do método escolhido pelo assassino. O mesmo ocorreu com o 11 de Setembro, que em inglês – a língua das vítimas! – soa como o número que se disca para chamar a polícia ou uma ambulância. A macabra eufonia dos ataques de 7/7 em Londres tem o mesmo objetivo mnemônico.

É aqui que a releitura pós-moderna da infâmia de Heróstrato torna-se mais completa: cada atentado serve como propaganda de alistamento, chamando os fracassados e incapazes a dissolver-se na identidade infame, porém conhecidíssima, do coletivo islâmico. O atacante de Orlando nascera nos EUA; os do Bataclan, na Europa; e o de Nice vivia pacificamente havia anos na França. Mas quem são eles agora? São parte de um gigantesco Heróstrato coletivo, que está para o Ocidente como o original estivera para a Diana dos efésios: a identidade daquele depende deste e da infâmia que ele pode lhe dar. É uma identidade negativa, não afirmativa. Os terroristas em geral não são muçulmanos praticantes, sim filhos mal-ajustados de imigrantes, nem lá nem cá. Eles apenas querem dissolver-se na infâmia coletiva do terrorismo, sem dar à sociedade ocidental o reconhecimento que creem que esta lhes negou.

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