• Carregando...

Quem quer que já tenha se dado ao trabalho de folhear jornais históricos sabe o quanto a mídia é míope. Perdida nos detalhes da nervura de uma folha deste ou aquele galho ou raminho, ela não percebe a árvore, que dirá a floresta. O que se estuda nos livros de História dali a algumas décadas ou séculos aparece de relance numa página enterrada no meio do jornal, enquanto a primeira página grita irrelevâncias acerca de algum complexo mecanismo pelo qual o nada transforma-se em coisa alguma.

Se nos distanciarmos ainda mais do imediato e, abandonando não apenas o meramente histórico, mas todo o imanente, examinarmos o noticiário sub specie æternitatis, a situação passa do risível ao patético. Tudo, absolutamente tudo – da natureza humana à obra da Criação, evidentemente sem esquecer o próprio Criador – precisa ser inserido, como quem encerra um oceano num conta-gotas, em alguma narrativa que a tudo mede pelo esquadro e compasso de algum palpitante interesse material, de alguma disputazinha de poder fugaz entre atores que nasceram ontem e amanhã estarão de volta ao pó.

Claríssimo exemplo disso foi a visita do papa Francisco aos redutos vizinhos de duas das principais narrativas ideológicas do século passado, Cuba e EUA. Unidos na redução do mundo à matéria e aos prazeres sensíveis e separados pela capacidade excessiva ou deficiente de fazer o que se propõem, são ambos igualmente cegos e surdos à mensagem do Eterno que o papa foi anunciar.

O papado de Francisco tem se dedicado à missão, ao anúncio não apenas do primado do transcendente, mas também dos seus corolários

Das profundezas de seus antolhos, o Castro de plantão nem sequer foi capaz de perceber que fazia piada de si mesmo ao crucificar Nosso Senhor em remos enquanto sua marinha, em vez de defender a ilha de invasores, tenta impedir que dela fujam, a remo, seus prisioneiros.

Ao norte, Obama esmerou-se em procurar os convidados mais inadequados e constrangedores para tornar desagradável o jantar que ofereceu ao papa, enquanto seus adversários no joguinho de politicagens internas americanas resmungavam e acusavam o papa de, basicamente, não se prestar a servir-lhes de arma nas briguinhas lá deles. Tudo pelo imanente, tudo no imanente, nada fora do imanente, poderia ser o lema de todos eles.

O imanente, todavia, ganha vida ao ser iluminado pelo transcendente. Após dois papados em que a Igreja pôs-se em forma, preparando suas tropas e armas, o papa Francisco finalmente pôde ir além, e levar novamente a batalha ao campo do Inimigo. Seu papado tem se dedicado à missão, ao anúncio não apenas do primado do transcendente, mas também dos seus corolários. Com o transcendente a iluminar o imanente, conseguimos enxergar com clareza o campo de batalha, impedindo que nos percamos nas irrelevâncias de quem só percebe o próprio nariz.

É um grande papa.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]