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Em outubro de 2015, uma faxineira do Museu de Arte Contemporânea de Bolzano, na Itália, vendo a bagunça deixada pelo que parecia ter sido uma festa no dia anterior, fez o óbvio: limpou tudo, jogando fora as garrafas vazias, os confetes, os restos de cigarros espalhados pelo chão. Só mais tarde veio a saber não era lixo, mas obra dos artistas Goldschmied e Chiari, de Milão, intitulada Onde vamos dançar esta noite?, cujo intento era representar o hedonismo e a corrupção da década de 1980. Não se sabe se a faxineira foi demitida, espero tenham-na promovido a curadora.

Situações como essa não são incomuns, pelo contrário. Outro exemplo. Um mês depois desse fato, um estudante do curso de Dança da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) levou uma descarga elétrica vinda de um poste instalado próximo ao Centro de Artes e Comunicação (CAC). Ficou por quase um minuto com a mão colada ao poste, tendo convulsões e desmaiando. Pessoas que presenciaram a cena, contudo, acharam que se tratava de uma performance e o aplaudiram, pois “espetáculos” assim costumam acontecer por lá. Graças a Deus, nada de grave aconteceu ao rapaz, o mesmo já não se pode dizer do que se passa nesse centro de artes.

Passamos do ponto da confusão; estamos em plena era da insanidade cultural

Mas talvez nada consiga ser mais simbólico desse estado de coisas do que a “performance artística” intitulada Macaquinhos, que ganhou notoriedade no ano passado também. O leitor deve se lembrar, foi bastante noticiado e há vídeos disponíveis na internet. Um grupo de oito ou nove atores ficam no palco, totalmente nus, explorando o ânus uns dos outros. A ideia, segundo eles, é fazer do ânus uma metáfora do desequilíbrio social entre os países do Hemisfério Sul (representados pelo ânus) e os do Norte. Achei na internet uma fala de um deles que é, bem, leia aí: “Temos dificuldade em reconhecer (...) tantas minorias, índios, mulheres, bichas, sapatãs, trans, pretos, moradores da periferia e o c... dos corpos. Macaquinhos se propõe a cutucar o que está latente, mas não se fala. E isso é muito trabalhoso, pois exige mudanças”.

Alguém aí tem dificuldade em reconhecer o “c... dos corpos”? Já reconhecer o que é arte... Isso aí, por exemplo, é arte? Por que não seria? Que critério usamos para diferenciar arte de outra coisa? Temos algum, salvo o que dizem os próprios “artistas”? Se o rapaz eletrocutado dissesse que foi uma performance artística, quem diria o contrário? E se é arte, é cultura? As mesmas perguntas se aplicam ao funk, de que falei na semana passada – e que serviria de trilha sonora perfeita para Macaquinhos. Funk não é cultura? Por que não seria? Funk não é música? Música não é arte? Arte não é cultura? Então? Por que não seria?

Hoje em dia, arte e cultura são como religião, ninguém mais sabe o que é. Abra um templo qualquer na esquina, faça sacrifícios de animais, por que não de bebês – tipo aborto, mas fora da barriga da mãe –, louve Lúcifer e se defenda dizendo ser sua religião, logo, devendo ser respeitada como qualquer outra. Quem poderá dizer que não é religião? Com base em quê?

Enfim, passamos do ponto da confusão; estamos em plena era da insanidade cultural. Não se trata de discutir conceitos e definições de arte, cultura, religião, mas de recuperar o senso comum de quem não precisa pensar quando se depara com coisas como as citadas, apenas sabe que são o que são. Ou seja, para tempos assim, não precisamos tanto de artistas, cientistas, filósofos, mas de faxineiros e socorristas.

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