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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Todos os meninos da minha geração queriam ser astronautas. A conquista da Lua mexeu com o imaginário infantil e a piazada se viu pilotando naves além da fronteira final. Marte? Passeio matinal. Ir longe seria passar de Plutão e se lançar rumo a Andrômeda.

É verdade que as meninas não tinham o mesmo sonho e as viagens estelares seriam insuportáveis sem o aroma feminino. Mas isso é trazer realidade para o onírico quase delirante. Foguetes feitos de tábuas mal pregadas, com cones de lata, bastavam para dar asas à imaginação.

A astronomia se tornou objeto de estudo prazeroso. Afinal, o piloto deve conhecer o caminho a ser percorrido. Hoje os aviões são pilotados por computadores, porém à época nem sequer imaginávamos essa possibilidade. Agarrávamos o manche das naves de brinquedo e viajávamos saltitando de galáxia em galáxia, como se soubéssemos o caminho sem ajuda de GPS ou qualquer muleta eletrônica.

O tempo passou e as viagens orbitais caíram na irrelevância da rotina

À noite, no céu límpido e escuro do Oeste do Paraná, o rastro esbranquiçado da Via Láctea incitava os planos de voo. Aprendi a computar a velocidade em anos-luz e, ante a constatação de que 300 mil km/s seriam insuficientes para percorrer distâncias cósmicas em tempo adequado à vida humana, me atava a ideias sobre portas gravitacionais, quasares e qualquer coisa, ainda que mal explicada, que desse alguma razoabilidade àqueles projetos que transitavam entre a ingenuidade infantil e a intrepidez do pioneirismo ignorante.

O tempo passou e as viagens orbitais caíram na irrelevância da rotina. Meus filhos não vibraram com as missões Apollo, as experiências da Mir e do Skylab. Brincaram com Tamagochi, bonecos do Jaspion, focaram a atenção em videogame. Mário e Luigi se tornaram seus ídolos, não Gagarin, Neil e Buzz.

A beleza política e tecnológica dos preparativos para a execução do projeto da Estação Espacial Internacional era causa de muchocho quando eu discursava emocionado. A eles, penso, parecia algo tão banal que a minha excitação soava estranha, quase patética. Nas raras noites de céu aberto em Curitiba, eu os convidava para ficarmos no quintal aguardando a passagem da ISS sobre Curitiba. A receptividade? Gélida como o sereno da madrugada.

Mais de 200 pessoas já moraram no céu. Algumas, por mais de um ano. Turistas já estiveram lá. Contudo, além da aventura no ambiente hostil, onde a vida depende do funcionamento do equipamento acondicionado em tubos cuja parede tem espessura de milímetros, a ISS é laboratório de física, química, biologia, agronomia, convivência.

Filtros que transformam dejetos em água potável estão disponíveis à população de áreas desérticas porque foram desenvolvidos para a escassez na Estação. Braços robóticos que realizam cirurgias decorrem das gruas usadas para os trabalhos externos. Mecânica de fluidos, exames médicos remotos, estudos sobre osteoporose. A lista vai longe.

Mais do que cravo, canela, pimenta, as caravelas deram poder sobre a natureza. Essa é a graça da Estação Espacial Internacional, proporcionalmente tão rudimentar quanto as naus desenhadas em Sagres.

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