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Pedro está aprendendo a ler. Compramos cartolina e recortamos dezenas de quadradinhos, onde desenhamos as letras do alfabeto. O passo seguinte foi colorir as letras, no que tivemos a ajuda de nosso vizinho Gabriel, 12 anos, talentoso desenhista de histórias em quadrinhos.

Ao longo do trabalho, notamos que as letras se parecem com as coisas e os seres. O M é um homem de terno; o O, um homem careca visto por trás; o S, uma cobra; o W, um duende que abre os braços para nos cumprimentar de longe; o Q, um gato; o F, um poste de iluminação pública; o Ã, a Catedral de Londrina com uma nuvem em cima; o P, alguém mostrando a língua; o Y, um estilingue; o U, um cesto de lixo reciclável; o i, uma exclamação plantando bananeira; o X, o cruzamento de dois sabres de luz.

Então começamos a formar palavras. Voltei 40 anos no tempo e me vi tomando sopa de letrinhas com meu pai, no apartamento da Alameda Barão de Limeira, em São Paulo. Eu gostava de inventar palavras como Shazam! – o grito do jovem Billy para se transformar em Capitão Marvel. Ah, se eu pudesse gritar Shazam! agora, para ter ao meu lado não o Capitão Marvel, mas o meu pai... – Pedro, escreva aqui o nome do vovô: P-A-U-L-O.

Peço a Deus que meu filho jamais perca esse entusiasmo por descobrir a relação entre os nomes e as coisas, os símbolos e a vida, as versões e a verdade

Meu filho vai até a cabeceira e pergunta o título do livro que estou lendo. Eu digo para ele tentar descobrir sozinho. Sem grandes dificuldades, ele descobre que o livro se chama O homem que amava os cachorros. Você também gosta de cachorros, Pedro? Então, diz aí qual é o nome do nosso vira-lata. C-I-S-C-O.

No domingo retrasado, Pedro ficou triste porque o Palmeiras perdeu para o Santos na final do Campeonato Paulista. Há muito tempo eu não ligo para futebol, esse esporte em que quase todos os lances dão errado, principalmente os lances fora de campo. Mas no domingo eu me vi torcendo como um louco para o Palmeiras. Só que o time não colaborou – e o Pedro ficou triste. Além de aprender a ler, Pedro está entendendo que o mundo não é feito só de alegrias e vitórias. D-O-R.

Aquela estrelona que faz o dia ser dia? S-O-L. Aquele objeto luminoso que brilha à noite? L-U-A. O maior super-herói de todos os tempos? J-E-S-U-S. A mãe dele? M-A-R-I-A.

Não sei se Pedro vai seguir o ofício de escritor. Mas peço a Deus que ele jamais perca esse entusiasmo por descobrir a relação entre os nomes e as coisas, os símbolos e a vida, as versões e a verdade. São João diz: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava em Deus, e o Verbo era Deus”. Que você continue formando palavras, meu filho, e que essas palavras vençam o tempo, e que no fim você possa definir a sua vida com apenas quatro letras: A-M-O-R.

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