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A expressão “movimento pendular” não é de todo popular. Mesmo assim, deveria estar estampada em todos os órgãos governamentais do país, nas três esferas. Por um motivo bem razoável – desse movimento de vaivém de gente depende o futuro das cidades. Com base no Censo 2010, o IBGE divulgou em fins de março deste ano a soma dos brasileiros que se deslocam todos os dias para estudar e trabalhar, nas grandes, médias e pequenas aglomerações urbanas.

Os dados são de se beliscar. Foram prospectados em 294 regiões – ou “arranjos populacionais”, de acordo com a terminologia – e 938 municípios. Por “arranjos” entende-se mais do que as regiões metropolitanas e suas conurbações formadas por muita gente, muitos carros e imensas distâncias. Cidades que atraem trabalhadores e estudantes, mesmo sem serem centros de porte, entraram na conta. Não só a inflacionam como indicam o grau de sofisticação do movimento pendular. Ao todo, 7,4 milhões de brasileiros saem de casa para ganhar a vida no território das cidades vizinhas, promovendo uma espetacular circulação de riquezas, de energia elétrica e, não se deve esquecer, de conhecimento. Em São Paulo, há 1,7 milhão de “viajantes diários” – uma Curitiba inteira. No Rio, 1 milhão, volume de gente inimaginável, por exemplo, na Europa de mil anos atrás, com seus módicos 35 milhões de habitantes.

Só faz sentido viver num grande centro se houver meios de participar da sociedade da informação

Essa turma que chega e vai todos os dias gera uma interação que mexe com nada menos do que 56% da nação brasileira, confirmando o que teimamos em enxergar. O Brasil rural está cada vez distante, relegado ao imaginário dos romances nordestinos da primeira metade do século passado, e na memória dos mais velhos. Seguimos aqui o ritmo mundial – em menos de 40 anos, 75% de todos os habitantes do planeta Terra viverão em cidades. É um impacto maior que o da alvorada da internet. O Brasil das míticas matas, uma trincheira selvagem, na crença dos viajantes, será sobretudo o Brasil vertical, concentrado e, tomara, com transporte público o bastante para permitir deslocamentos. Diante dessa evidência, dobrar ou triplicar a “capacidade urbana” é a mais urgente das medidas, o mais pertinente dos planejamentos. Acima disso, não há espaço para briguinhas provincianas e partidárias entre políticos e gestores ocupados em fazer a circunavegação ao redor do umbigo.

Toda essa preleção orquestra o nosso samba de uma nota só. Mas é preciso repeti-lo. Além de transporte público ser condição primária para o Índice de Felicidade Humana – e todos os outros índices, por tabela –, esse transporte precisa romper divisas e fronteiras, permitindo o que é próprio das cidades: a experiência urbana. O pior dos mundos é aquele que promove o crescimento sem desenvolvimento. Ou uma cidade é inteligente ou não merece esse nome. Morar numa grande cidade, ou na sua região metropolitana, e não poder desfrutar de bibliotecas, de cultura em geral, de cursos de geração de renda – sem falar da escola – é o que há de mais antiurbano. Um contrassenso. Ora, só faz sentido viver num grande centro se houver meios de participar da sociedade da informação. Para tanto, é preciso um ônibus que nos leve até lá.

Redes de estudos, como o Observatório das Metrópoles – espécie de combo com pesquisadores de universidades do país todo –, já mensuraram o impacto sobre as cidades satélites a cada vez que o sistema de transporte anda na marcha à ré. É instantâneo, e não é preciso ser técnico em estatística para pelo menos prever o tamanho do estrago. No estudo do IBGE, Curitiba aparece como a nona maior concentração urbana do país. Em números, 680,7 mil pessoas circulam pela cidade polo e por outras 17 vizinhas. O aumento do tempo de trajeto, os destemperos das tarifas, a baixa qualidade dos veículos tende cada vez mais a excluir parte dos usuários. A precarização do sistema inibe trocas, condenando, que ironia, a população à imobilidade. Não nos esqueçamos de que parte das manifestações de 2013 foi motivada pela má qualidade dos serviços públicos. O mais absurdo é ter de repetir tudo isso, debaixo da evidência dos direitos urbanos e dos direitos humanos.

O estudo Curitiba: transformações na ordem urbana, organizado pelas pesquisadoras Rosa Moura e Olga Firkowski, participantes do Observatório, manda um alerta. Nos últimos 20 anos, a Região Metropolitana de Curitiba – com perto de 3 milhões de habitantes – cresceu na periferia da periferia. Esse movimento “para mais longe” faz crescer a segregação. Nesse período, o sistema de transporte também cresceu, mas cresceu de modo a parecer ignorar os focos de crescimento populacional e para onde as pessoas, em geral, se deslocam. Paralelamente, Olga e Rosa constataram que onde habitação e transporte são desfavoráveis, os índices das avaliações escolares governamentais são, na falta de palavra melhor, desanimadoras.

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