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 | Antonio Costa/Arquivo Gazeta do Povo
| Foto: Antonio Costa/Arquivo Gazeta do Povo

A Constituição Federal é claríssima, no inciso XIV de seu artigo 5.º, aquele que enumera direitos e garantias fundamentais: “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. Mesmo assim, a juíza Pollyanna Kelly Alves, da 12.ª Vara Federal de Brasília, não teve pudor de atropelar a Carta Magna ao determinar a quebra de sigilo telefônico de Murilo Ramos, da revista Época, para tentar descobrir o agente público responsável por vazar relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ao jornalista. A decisão foi tomada em agosto, mas chegou a público apenas há poucos dias.

A iniciativa partiu do delegado de Polícia Federal João Quirino Florio, responsável por investigar o vazamento. Como nem a Receita Federal, nem o Banco Central e nem o Coaf conseguiram descobrir quem passou os dados – um relatório sobre brasileiros suspeitos de manter contas secretas na Suíça, no contexto do escândalo do Swissleaks – ao jornalista, o delegado nem esperou o depoimento de Ramos para ir à Justiça, tendo seu pedido apoiado pela procuradora da República Sara Moreira de Souza Leite. Só depois é que o repórter foi ouvido, negando-se a informar quem era sua fonte, amparado pelo direito constitucional.

O sigilo de fonte é uma garantia primordial para a liberdade de imprensa

Que um delegado da PF, uma procuradora da República e uma juíza desconheçam tal preceito básico da Constituição é chocante, mas não é inédito. No ano passado, violação semelhante ocorreu no interior de São Paulo, quando uma decisão da 4.ª Vara Federal de São José do Rio Preto autorizou a quebra do sigilo telefônico de um jornalista acusado de publicar informações confidenciais de uma operação da Polícia Federal. Naquela ocasião, o então presidente do STF, Ricardo Lewandowski, suspendeu a ordem judicial, com o fundamento de que era necessário resguardar a garantia constitucional da liberdade de imprensa. Da mesma forma, a Associação Nacional de Editores de Revista (Aner) impetrou habeas corpus em favor de Ramos no Tribunal Regional Federal da 1.ª Região. Até agora não houve resposta – uma lentidão que pode ser fatal para a liberdade de imprensa.

O sigilo de fonte é uma garantia primordial para a liberdade de imprensa. Um se apoia no outro para que se possa bem informar a sociedade. Sem eles, não há Estado de Direito. Juntos, são pilares importantes para assegurar o bom funcionamento da democracia. O fato de agentes públicos estarem dispostos a violar esses pilares não diz respeito apenas aos jornalistas, mas a toda a população que se beneficia com o trabalho da imprensa e, graças a ele, vê revelado o que tantos gostariam de manter oculto.

Não há fins que justifiquem os meios. Um magistrado não pode violar um direito fundamental inscrito na Constituição para identificar o autor de um vazamento de informação. O sigilo de fonte, conforme já reiterado pelo ministro do STF Celso de Mello, no julgamento da Reclamação 21.504, no ano passado, é garantia assegurada contra qualquer pessoa, incluindo agentes e autoridades estatais. O tema não tem nada de controverso; não há nada na Constituição e na jurisprudência que pudesse causar dúvida em um magistrado sobre a impossibilidade de se quebrar o sigilo de jornalistas para identificar a fonte de informações. Equivocada, portanto, a fundamentação da juíza Pollyanna Kelly, ao declarar na decisão que a quebra do sigilo era “a única maneira de chegar ao autor do crime”.

Decisões como essas são temerárias porque causam insegurança sobre um aspecto básico do regime democrático: o respeito às garantias fundamentais do cidadão. Tais episódios não podem virar parte da vida cotidiana. Não bastasse a clareza do texto constitucional, a posição do STF é pacífica. O Estado não tem o direito de pressionar ou invadir a esfera pessoal do jornalista para identificar a fonte de suas informações. A juíza ignorou esse fato básico. Cabe, agora, a reforma da decisão não só para que se volte à normalidade, mas para que se consolide a importância do direito ao sigilo de fonte numa sociedade democrática.

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