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| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Aprovado pelo Senado Federal, segue agora para a Câmara projeto que altera a Lei das Licitações. Espantado pelas inesgotáveis revelações da Operação Lava Jato – que dia sim e dia também mostra que é nos processos de licitação que está o nascedouro das roubalheiras –, o Brasil certamente ficaria grato se houvesse controles mais rigorosos e possibilidade para que mais empresas pudessem concorrer em condições de igualdade com as gigantes (e corruptas) empreiteiras, e se exigências burocráticas fossem simplificadas.

Infelizmente, as mudanças aprovadas pelo Senado não foram aquelas desejáveis. Pelo contrário, abriram-se mais “janelas para a corrupção”, na expressão da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic). O texto parece ter sido feito sob medida para que os mesmos conglomerados empresariais que há décadas dominam o setor de grandes obras públicas continuem atuando da maneira tristemente conhecida. Ao tempo em que cria facilidades para acordos espúrios, não cria – ou melhor, elimina – sistemas de fiscalização e controle.

Um dos mecanismos adotados com o aparente fim de assegurar que apenas empresas financeiramente capazes participem de licitações é o que exige dos participantes seguros-garantia equivalentes a algo entre 20% e 30% do valor da obra a ser executada. Um exemplo: se mantidos os termos aprovados pelo Senado, uma obra com valor previsto em edital de R$ 100 milhões só poderá ser licitada entre empresas que comprovem condições de apresentar seguro de até R$ 30 milhões – um evidente propósito para evitar que pequenos e médios empreendedores se habilitem à concorrências.

O Brasil certamente ficaria grato se houvesse controles mais rigorosos nas licitações

Absurda, também, é previsão legal de tornar facultativa a realização de audiências públicas antes do lançamento final dos editais – uma exigência prevista na legislação atual que abre para a sociedade a discussão sobre os impactos sociais, econômicos ou ambientais que acompanham as grandes obras, desde a sua concepção técnica até sua conclusão. Trata-se de um processo democrático que, embora possa, em muitos casos, ser motivo de retardamento, tem o poder de garantir transparência e, não raras vezes, mitigar efeitos colaterais indesejáveis.

Sobressai também no projeto aprovado a aplicação, de forma generalizada, do Regime Diferenciado de Contratações (RDC), instituído para “agilizar” as licitações de obras previstas no Caderno da Copa do Mundo 2014 e para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio de Janeiro. A grande “diferença” entre o RDC e a legislação convencional todos sabem qual foi: superfaturamento na construção e reforma de estádios, farta distribuição de propinas e arenas transformadas em “elefantes brancos”, sem falar do “legado” que nunca chegou a ver a luz do dia.

Não bastassem esssas “janelas”, há ainda outra a favorecer a corrupção: o projeto prevê a possibilidade de o governo “conversar” – modalidade batizada de “diálogo competitivo” – com as empresas interessadas antes de lançar edital, isto é, de fixar seus termos e condições ao gosto dos fregueses mais influentes. Que, aliás, após vencerem as concorrências, poderão cometer irregularidades sem que estas sejam necessariamente encaradas como motivo para paralisações e suspensão de pagamentos – mesmo porque também os órgãos de controle, como os Tribunais de Contas, passam a ter papel mais limitado.

Há grande coincidência entre as novas disposições previstas e fatos relatados por delatores da Lava Jato. Eles revelaram à Justiça o empenho das grandes construtoras para que fossem feitas as mudanças agora presentes no projeto. Embora as esperanças sejam mínimas, não custa imaginar que a Câmara dos Deputados venha a eliminar do texto final esses pontos controversos e tão suspeitos.

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